O terceiro passo é adentrar os clássicos, idealmente sob a orientação de algum professor que possa te ajudar a abreviar a sua passagem pelas sentenças conflituosas da literatura e iluminar os significados de certas técnicas e conceitos. Inicialmente é importante focar apenas em um professor e, depois, adquirindo mais discernimento, a pessoa também pode aprender com muitos outros sem acabar confusa. O professor te dá um atalho de anos e pode poupar muito desgaste desnecessário nos seus estudos. Porém, é preciso buscar alguém que ensine de acordo com os clássicos. O problema é que para saber se ele realmente procede dessa forma você terá não só que exigir referências como também estudar a literatura clássica. Pois então, quais textos seriam importantes? Existem inúmeros, mas quatro deles são fundamentais na tradição, de acordo com os pāṇḍitas (eruditos) em jyotiṣa. O primeiro texto é o Bṛhat jātaka (séc. VI) de Varāharamihira, o segundo é a Sārāvalī (séc. X) de Kalyāna Varma, o terceiro é a Phaladīpikā (séc. XV) e o quarto é o Jātaka pārījāta (XV). O já póstumo Madhura Krishnamurthy Shastry, um pāṇḍita muito respeitado do jyotiṣa, classificou o Bṛhat jātaka e a Sārāvalī como textos de yavana jyotiṣa, o jyotiṣa que possui mais características yavanas (estrangeiras) e cujo primeiro modelo textual foi o Yavana jātaka (séc. II) de Sphujidhvaja. No caso, o Bṛhat jātaka é uma versão mais concisa de yavana jyotiṣa, enquanto a Sārāvalī é uma versão bem mais extensa, com descrições elaboradas dos grahas nas casas, signos, das conjunções e vários outros fundamentos.
sexta-feira, 23 de abril de 2021
Como progredir nos estudos de jyotiṣa?
quinta-feira, 22 de abril de 2021
Suicídio é algo externo as promessas do mapa?
Todos os casos de suicídios que estudei apresentam padrões similares, que também aparecem em outros casos envolvendo mortes violentas ou que não são naturais. Porém, há um elemento distintivo em relação aos casos de suicídio: eles costumam estar acompanhados de unmada yogas, configurações de insanidade/desequilíbrio psicológico. Essas configurações podem ser Chandra (Lua) severamente aflita, krūra-grahas (maléficos) em koṇas (5-9), aflições a cinco e seu regente, etc.
sábado, 17 de abril de 2021
Regências e dignidades para Rāhu e Ketu
Essa
ideia, no entanto, não é aplicada no contexto da interpretação do mapa. Isso é
algo que todo praticante de Jaimini que tenha estudado esses textos sabe, pois
diferente de Parāśara jyotiṣa, em Jaimini nós não temos apenas textos que
instruem sobre técnicas, mas também textos que dão exemplos práticos com mapas
reais. Como nenhum dos exemplos práticos incorpora as regências de Rāhu e Ketu
para interpretação e como os autores que citam o conceito não instruem que ele
deve ser aplicado no contexto da interpretação, fica claro que a ideia é
limitar a técnica a situações específicas. Isso também foi seguido por
autoridades recentes, como Iraganti Rangācharya, Madhura Kṛṣṇamūrti, etc.
Inclusive, outra questão interessante é que em Jaimini, considera-se que Ketu se exalta em leão e se debilita em aquário, enquanto Rāhu se exalta em escorpião e se debilita em touro. Essa visão é corroborada pelas mesmas fontes que citei aqui, sendo que há ainda uma tradução do Jātaka sāra saṅgraha que inverte essas dignidades de Rāhu e Ketu, algo que não aparece nos outros textos. Porém, devo admitir que eu não acredito no uso de dignidades para os nodos, já que na literatura de jyotiṣa além de haver muitas discordâncias sobre o assunto, há também um enorme número de astrólogos clássicos que, assim como eu, não consideram dignidades ou mesmo regências para os nodos.
sexta-feira, 16 de abril de 2021
Vaiśeṣikāṁśas e o mapa de Johannes Kepler
Os títulos que um graha ganha quando ocupa de dois a nove vargas próprios são pārījātāṁśa, uttamāṁśa, gopurāṁśa, siṁhāsanāṁśa, parvatāṁśa,
devalokāṁśa, suralokāṁśa e airavatāṁśa.
O décimo varga, o ṣaṣṭyāṁśa, não
compreende signos em suas divisões, mas sim divindades, logo, não há como um graha deter dignidade no mesmo, daí de
só haver nove vaiṣeśikāṁśas
possíveis, invés de dez.
Alguns exemplos de ślokas clássicos que citam os vaiṣeśikāṁśas são:
"O indivíduo será devotado a ontologia se Júpiter ocupar um kendra ou koṇa sob o olhar de Mercúrio e Vênus, enquanto Saturno detém paravatāṁśa (Jātaka pārījāta, 11.85)."
"Quando Júpiter ocupa um kendra, Vênus detém siṁhāsanāṁśa e Mercúrio, sendo senhor do navāṁśa ocupado pelo senhor de dois, detém gopurāṁśa, o indivíduo será proficiente nos seis vedāṅgas - śikṣā, chandas, vyākaraṇa, nirukta, kalpa e jyotiṣa (JP, 11.86)."
"Se o senhor da dois detém gopurāṁśa e Vênus parvatāṁśa, todos aqueles que viverem sob a proteção do indivíduo prosperarão e serão felizes (JP, 11.87)."
"O senhor da cinco em uma casa auspiciosa e a deter vaiśeṣikāṁśa faz do indivíduo inteligente e sincero (Phaladīpikā, 16.15)."
"Se o Sol detém devalokāṁśa e o lagneśa está forte, enquanto o senhor da nove ocupa a sua exaltação, o indivíduo será famoso e afortunado (Sarvātha chintāmaṇi, 02.71)."
quinta-feira, 8 de abril de 2021
Júpiter em aquário age como se estivesse exaltado (em câncer)?
Já que Júpiter
finalmente ingressou aquário e há pessoas em dúvida sobre os resultados desse
posicionamento, vou aproveitar para esclarecer a afirmação controversa de
Varāhamihira (século V) que é causa de tais dúvidas. Basicamente, ele diz o
seguinte:
"Júpiter em aquário
produz os mesmos resultados de Júpiter em câncer. – Bṛhat Jātaka"
Ou seja, ele afirma que
Júpiter em aquário age como exaltado. Mas veja agora o que o próprio
Varāhamihira diz sobre Júpiter em câncer:
"...será abençoado
com joias, filhos, riqueza, esposa, poder, inteligência e confortos. – Bṛhat
Jātaka"
Em tese, seria isso que
Júpiter em aquário ofereceria, mas o problema é que na prática os resultados de
um Júpiter em câncer são muito distintos dos de Júpiter em aquário, o que fica
ainda mais claro quando comparamos os resultados desses em ângulos. Mas nem
será o caso de fazer isso aqui. Vamos apenas comparar o que outros autores
dizem sobre ambos os posicionamentos, a começar por Júpiter em câncer:
"Aquele que possui
Júpiter em câncer será um erudito, belo, alguém altamente instruído, caridoso,
de uma natureza benevolente, muito forte, famoso, possuirá grãos em abundancia
e riquezas. Além disso, será veraz e dado a realizar penitências, terá filhos
longevos, será honrado por todos, um rei, terá uma profissão distinta e será
apegado a seus amigos. –Sārāvalī"
“O indivíduo com Júpiter
em câncer adquirirá uma grande variedade de riquezas e seu trabalho progredirá
bem. Ele será bem versado nos śāstras, assim como em diferentes artes, se
mostrará um orador astuto, talentoso e possuirá cavalos e elefantes. –
Mānsagari"
"Aquele que nasce
com Júpiter em câncer será sábio e terá muitos filhos. – Jātaka-pārijāta"
Já em relação aos resultados de Júpiter em aquário, os autores posteriores à Varāhamihira dizem o seguinte:
quarta-feira, 7 de abril de 2021
Uma análise do mapa do Ayrton Senna
A pedido, vou apresentar aqui o que
vejo sobre a partida precoce do Ayrton Senna, assim como também sobre o seu
talento e renome. Começando pela questão da longevidade, o primeiro ponto é que
ele tem dois benéficos, a Lua e Júpiter, na doze, um dusthāna. Isso
por si só já um indicativo negativo para a longevidade, mas que deve ser
relacionado a outros pontos.
Como o regente do ascendente dele,
Saturno, também ocupa a doze e ainda aflige os benéficos, temos um testemunho
ainda mais negativo para a longevidade. Os senhores de um, oito e dez também
não estão posicionados de forma ideal, como é demandado em um método de análise
de longevidade citado na literatura. Isso é agravado pelo fato do Ayrton ter
apenas maléficos ocupando kendras e koṇas. No
ascendente ele tem Marte, enquanto na nove ele tem Rāhu.
Em relação ao Marte, o fato dele estar forte em um ângulo é um testemunho comum para mortes violentas, rápidas, que envolvem fogo, acidentes, etc., como já testemunhei em muitos casos, além de ser também algo pontuado na literatura clássica. Mas há algo mais: para o ascendente do Ayrton, Marte é o bādhakeśa, além de ser, nesse caso, dispositor de Gulikā. Pulippani cita em seu Pulippani Jothidam que o bādhakeśa em ângulo é especialmente indesejável, ao passo que Vaidyānatha cita como indesejável ter Gulikā relacionado ao bādhaka ou ao bādhakeśa, algo que ocorre nesse caso e só reforçou o testemunho negativo de seu Marte angular. Como Marte olha a oitava casa, deixa evidente que sua morte estaria relacionada a algo da natureza do mesmo: um acidente.
terça-feira, 6 de abril de 2021
Um estudo da daśā atual de Michael Schumacher
Estava estudando o mapa
de Michael Schumacher, tentando entender o que levou ele a ficar na situação
que se encontra agora, completamente paralisado. Me surpreendi com o que
encontrei. Ele está vivendo a daśā de
Mercúrio desde 2008, sendo esse um māraka
que forma uma conjunção estreita com Gulikā no bādhaka-sthana. Mercúrio ainda está recebendo o olhar de Júpiter,
que é regente de oito e do próprio drekkāṇa
da oito. Vaidyanātha chega a citar no Jātaka pārījāta que quando Gulikā ou o
regente do drekkāṇa da oito se
relaciona com o bādhaka ou com o bādhakeśa, isso gera efeitos muito
adversos, o que inclui naturalmente doenças, acidentes e situações de aprisionamento.
Schumacher não só tem a configuração
citada por Vaidyanātha, como ela ainda envolve um māraka. A partir da Lua, Mercúrio é o seu dispositor colocado na
oito, outra indicação forte para um evento desastroso. Também é importante
notar que Mercúrio ainda é dispositor de Júpiter, o regente de oito, e está sob
o olhar de Marte, um māraka, senhor
de doze (privações) e significador natural de acidentes.
Mas uma coisa que me
chamou bastante a atenção também é o fato dele ter a conjunção de Saturno e
Rāhu, ainda que com uma orbe folgada. Essa conjunção produz problemas de
natureza vāta e, embora ele tenha se acidentado,
isso comprometeu o seu movimento e fala, duas funções vāta. A conjunção de Saturno e Rāhu ainda está situada exatamente a
meio caminho da oposição do Sol e da Lua, o que tenho certeza, é outro fator
decisivo que influenciou o seu quadro atual. Isso ainda é reforçado pelo fato
de Saturno ser o bādhakeśa, que além
de conjunto a Rāhu, está sob influência do regente de oito e é o dispositor de
Gulikā. Ou seja, temos praticamente a mesma indicação do bādhaka-sthana se repetindo com o bādhakeśa.
oṁ
tat sat
segunda-feira, 5 de abril de 2021
O regente do ano também é considerado no jyotiṣa?
Todos
os anos vejo as pessoas citarem: “Esse é o ano do Sol”, “Ah, agora estamos sob
a regência de Saturno”, “Agora com o ano da Lua, as pessoas ficarão mais
sensíveis”, e coisas do tipo. Alguns até chegam a me perguntar se no jyotiṣa isso também é válido, pois essas
regências são citadas pelos astrólogos modernos, em geral.
A
verdade é que no jyotiṣa o conceito
de regente do ano existe, sim. Bṛhat saṁhitā e Kālaprakaśika são dois textos
clássicos que citam essa ideia, porém, seus métodos são divergentes e poucos
astrólogos levam isso realmente a sério, pois é de natureza muito generalista.
A
melhor maneira de se determinar o regente do ano, seria tomando por referência
algo mais específico, como um país ou um indivíduo. No caso dos países, o
método pode variar e ser bem complicado, mas no caso dos indivíduos, há um
método simples e eficiente. Em Jaimini jyotiṣa
eles denominam o senhor do ano como sendo o varṣācharya
(vide Jātaka sāra saṅgraha), em tājika
ele é inferido por meio do muntha,
enquanto em Parāśara ele seria determinado por meio da técnica de sudarṣana-chakra.
Há algumas diferenças entre esses métodos, porém, o que julgo mais eficiente é o de Jaimini (o qual não difere em essência do método de Parāśara), que é, inclusive, o mesmo utilizado pela maior parte dos astrólogos helenísticos e medievais. Nesse método, o senhor do ano seria o senhor do signo destacado pela progressão anual, onde a cada ano o ascendente move um signo. Logo, de 0-1 ano de idade o senhor do ano é o senhor do ascendente, de 1-2 é o da casa dois, de 2-3 é o da casa três, e assim por diante.
Uma forma simples de calcular o varṣācharya é tomar a idade do indivíduo, subtrair múltiplos de 12 e acrescentar 1 ao que resta. Por exemplo, se alguém está com 32 anos, subtraindo múltiplos de 12 teremos 32 - 24 = 8, acrescentando +1 teremos 9, logo o senhor do ano seria, nesse caso, o senhor da nona casa.
sexta-feira, 2 de abril de 2021
Quais são afinal as diferenças entre Parāśara e Jaimini?
Em vista das
dúvidas que algumas pessoas acabam tendo quando digo que misturar Parāśara e
Jaimini não dá certo nem é recomendado na literatura, eu decidi escrever esse
esclarecimento. No caso, é importante entender o que cada um desses dois
métodos de jyotiṣa tem como característico, antes de falarmos
sobre as misturas.
Parāśarī
jyotiṣa é, em outras palavras o método yavana (descrito no
Yavana jātaka, Bṛhat jātaka, Sārāvalī, Horā makaranda, etc.) reformado. O que
lhe distingue são os seguintes elementos:
Graha-dṛṣṭis – olhares dos grahas.
Udu-daśās – daśās calculadas a partir do nakṣatra ocupado por Chandra (Lua), como
é o caso da viṁśottarī, aṣṭottarī, kālachakra daśā, etc.
Upagrahas
–
grahas secundários, como Gulikā,
Dhūma, Upaketu, etc.
Yogas – gaja kesari, śaṅkhā, kāhala, Lakṣmī,
Sarasvatī yoga, etc.
Ṣaḍ-bala – cálculo de
forças.
Aṣṭakāvarga – cálculo aplicado
tanto a análise natal quanto também de trânsitos e daśās.
Natureza
funcional – análise da natureza dos grahas conforme a regência que adquirem.
Āyurdāya – o cálculo de
longevidade em Parāśara é baseado em uma técnica envolvendo os regentes de um,
oito e dez, assim como também nos métodos aṁśāyu,
nisargāyu, etc.
Em suma, isso é Parāśarī jyotiṣa, pois é exatamente assim que
Phaladīpikā, Jātaka pārījāta, Jātaka deśa marga, Sarvārtha chintāmaṇi e outros
textos ligados a essa tradição representam o método Parāśarī.
Agora, em relação a Jaimini, o que distingue o método são os seguintes elementos:
quinta-feira, 1 de abril de 2021
Um esclarecimento sobre os argalas
O conceito dos argalas é um dos
menos explorados pelos astrólogos em geral. Além disso, há muitos equívocos
quanto a sua utilização. Visando esclarecer isso, decidi escrever esse artigo,
mas que já alerto, se destina a estudantes mais avançados ou aqueles que já
tiveram algum contato com a técnica, mas ainda não sabem como ela realmente
deve ser aplicada.
Em primeiro
lugar, argala só foi realmente incorporado e praticado dentro
do método de Jaimini, pois você não encontra essa técnica em nenhum dos textos
da tradição Parāśarī. Quem afirma que no BPHS argala é citado, inclusive,
provavelmente não sabe que o BPHS de hoje está cheio de interpolações,
capítulos faltando e, em vista desses problemas, não é aceito como uma
autoridade perfeita e inquestionável, especialmente no que se refere a
Jaimini jyotiṣa. A primeira versão do BPHS, dos séculos VI-VIII, não
cita argalas no seu índice, que foi por sinal apresentado pelo
David Pingree em seu Jyotiḥ-śāstra, um respeitadíssimo livro acadêmico sobre a
história da astrologia e astronomia na Índia.
Argala, na verdade, é um conceito que foi apresentado no Upadeśa sūtra (2.1.5-10) de Jaimini e expandido no Jyotiṣa phala ratna mala, Jyotiḥ pradīpikā e no Jātaka sāra saṅgraha, dentre outros textos da tradição de Jaimini jyotiṣa. Porém, a sua utilização não é tão simples, já que há muitas considerações a seu respeito e, inclusive, algumas divergências mesmo entre os autores clássicos sobre um ponto ou outro. No meu caso, a perspectiva que uso, depois de ter estudado suas variantes, foi a que aprendi com o Shanmukha Teli. Essa perspectiva é fiel as ideias clássicas, especialmente do JPRM e do JSS, já que o Jyotiḥ pradīpikā parte de ideias únicas sobre o assunto, mas pouco populares.
Esse artigo, no entanto,
não visa ensinar como usar os argalas,
pois considero que, ainda mais se tratando de argalas, meio conhecimento é mais perigoso que conhecimento algum.
Jaimini não é tão fácil de apreender quando Parāśara (que por sinal já é muito
difícil). Muito menos é um método que dá para discorrer facilmente por meio de
posts na internet. Minha intenção com relação a esse artigo é simplesmente
mostrar o que não é a abordagem clássica dos argalas e dar um indício de como
essa técnica foi usada na tradição de Jaimini jyotiṣa. Se alguém a partir disso
ainda assim decidir seguir uma visão outra, isso já é uma opção pessoal. O
importante é ter consciência de como o conceito foi apresentado em Jaimini jyotiṣa.