sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Aquário, o mais maléfico dentre os signos?

Em seu Bṛhat jātaka, no capítulo que trata dos vargas, Varāhamihira cita uma passagem curiosa de Satyācharya, onde esse diz que aqueles que nascem com o lagna em aquário serão infelizes. De acordo com Varāhamihira, no entanto, os yavanas (gregos) diferiam de Satyācharya, pois eles opinavam que não era o lagna em aquário o problema, mas sim o lagna no dvādaśāṁśa (D12) de aquário, algo que o astrólogo Viṣṇugupta (e também Chakanya, de acordo com Kalyāna) discordava. O interessante é que na tradição de Jaimini encontramos uma citação onde, dentre os signos cruéis (áries, leão, escorpião, capricórnio e aquário), aquário é considerado o mais cruel de todos.

Ponderando sobre isso, eu cheguei a imaginar que talvez o fato de Śani (Saturno) - o mais vil dentre os grahas - ter o seu mūlatrikoṇa nesse signo é o que lhe faria mais negativo do que os demais signos de natureza cruel. Porém, essa ideia não se sustenta bem em relação a outros exemplos citados na literatura. Outra possibilidade é a dos astrólogos clássicos terem considerado que, por aquário opor leão, o signo de regência do líder dentre os grahas, Sūrya (Sol), ele seria o signo potencialmente mais vil. Mas, enfim, pode ser que essa inferência dos astrólogos clássicos sobre aquário tenha se dado apenas a partir de observações práticas. Inclusive, é notável que as descrições dadas por eles a respeito do lagna aquário são predominantemente negativas. Os exemplos abaixo já nos dão uma ideia disso:

Varāhamihira (séc. VI): o nascido com o lagna em aquário será inativo; de uma natureza áspera; o mais velho em sua família; de um temperamento que fica entre o pitta e o vāta; seu nariz terá o formato da flor do gergelim; perderá sua riqueza; terá muitos servos; será odiado por seus parentes, preceptores, inimigos e amigos; será afeito às vilanias; adquirirá muita propriedade; jamais gastará em atos de caridade; se exibirá como virtuoso – sem o ser, de fato; adorará aos devas; sofrerá de problemas fleumáticos que lhe afetarão os órgãos na região do peito; seu fim se dará em função de dores na região da barriga, vômitos e por drogas que lhe serão administradas por mulheres.

Kalyāna (séc. X): aquele que nasce com o lagna em aquário se dedicará aos atos vis; ele se destacará entre os seus; será tolo, vil, irascível e indolente; se mostrará inclinado à inimizade; insatisfeito e áspero; afeito a jogatina e às relações com mulheres vis; não se mostrará solidário com seus parentes; será agitado; embora adquira riqueza, a sua prosperidade será flutuante; contará mentiras; será astuto; sofrerá com a penúria; perderá seus parentes; será proibido/censurado nos círculos sociais; de natureza desagradável; honrará os mais velhos.  

Mantreśvara (séc. XV): o nascido sob o lagna aquário cometerá atos vis secretamente; seu corpo terá a forma de um pote de água; ele será hábil em ferir os demais; é capaz de caminhar por longas distâncias; goza de recursos limitados; é ganancioso; não hesita em se valer da riqueza dos outros; suas finanças passam por altos e baixos; é afeito aos aromas dos perfumes e das flores.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Sobre as minúcias e os seus problemas

O que nos permite praticar uma astrologia natal, ou seja, dedicada ao estudo do destino de um indivíduo, é o lagna, ou ascendente. Sem ele, não conseguiríamos diferenciar um indivíduo de outro, já que mesmo o graha mais rápido, Chandra (Lua), permanece dois dias e meio em um signo - ou um dia em um nakṣatra -, uma faixa de tempo ampla demais para determinarmos as diferenças entre dois ou mais indivíduos.

A média de tempo para que o lagna mude de signo, no entanto, é de duas horas, ou seja, ele é 30x mais rápido do que Chandra. Porém, mesmo uma faixa de duas horas é ampla, já que nascem no mundo todo cerca de 150.000 pessoas por hora, todas elas com destinos distintos. Pensar nisso pode soar desencorajador para um estudante de astrologia, afinal, é como se estivéssemos sendo sempre parciais em nossas interpretações, uma vez que milhares de pessoas podem partilhar de um mesmo mapa, mas terem destinos muito distintos. Porém, em um signo nós temos inúmeras divisões, os denominados vargas/aṁśas, os quais adicionam variações diversas às disposições de um mesmo signo. Logo, embora milhares de pessoas possam vir a nascer com o mesmo mapa, é improvável que tenham o lagna situado nos mesmos vargas.

Só para terem uma dimensão, essas são as divisões de tempo necessárias para o lagna mudar de um varga a outro, considerando que o lagna leva 2h em média para percorrer um signo:

1 drekkāṇa (10º00’) = 40 minutos

1 navāṁśa (3º20’) = 13,33 minutos

1 dvādaśāṁśa (2º30’) = 10 minutos

1 ṣaṣṭyāṁśa (0º30’) = 2 minutos

Aqui estou apenas abordando as divisões de um signo em três, nove, doze e sessenta partes. Porém, há muitas outras divisões, como as de dez, dezesseis, vinte, quarenta e até mesmo de cento e cinquenta ou de trezentas partes. Tais divisões simbólicas foram teorizadas pelos astrólogos do passado no intuito de aumentar o grau de especificidade das análises. Logo, dois indivíduos com um mesmo lagna poderiam ser diferenciados, considerando que esses lagnas estariam situados no mesmo signo, mas em vargas diferentes.

Um indivíduo com o lagna em áries, mas no navāṁśa de touro, certamente terá uma disposição bem distinta de outro indivíduo que tem o lagna em áries, mas no navāṁśa de escorpião, isso para não falarmos das mudanças que ocorrem também nos outros vargas. Por exemplo, pode ser que o primeiro indivíduo citado tenha o seu lagna em um ṣaṣṭyāṁśa[1] presidido por uma divindade benevolente, enquanto o segundo o tenha situado em um ṣaṣṭyāṁśa de uma divindade cruel. Isso seria suficiente para mudar a disposição de cada um deles, mas não resolve o problema dos destinos distintos, já que concerne apenas o estudo das suas personalidades e corpos.