terça-feira, 25 de julho de 2023

A razão de Sūrya (Sol) ser considerado um maléfico pelos indianos

No jyotiṣa é unânime a visão de que Sūrya (Sol) é um maléfico (krūra-graha). Todos os autores, de Varāhamihira (séc. VI) a Somayaji (séc. XVIII) concordam com isso. Outras vertentes astrológicas já consideram Sūrya uma fortuna/benéfico. Por exemplo, Abū Ma’shar, o grande astrólogo árabe, afirma (The great introduction, IV.6.28-29) que Sūrya é um benéfico por diferentes razões: devido a sua influência sobre as estações do ano – sem as quais não haveria equilíbrio na natureza -, a sua relação com o próprio princípio da vida etc. De fato, o que é citado por Abū Ma’shar é coerente. Inclusive, no jyotiṣa denominamos Sūrya como sarvātma, a alma de todas as coisas, pois ele é fonte de luz-consciência-vida, o que traz consigo uma conotação mais positiva. Ainda assim, consideramos Sūrya um maléfico pelo fato de sua ação ser áspera, assim como a dos demais maléficos. No entanto, há uma diferença significativa entre Sūrya e os demais krūra-grahas: ele não é pecaminoso (pāpī) como Maṅgala, Śani e os nodos, pois Sūrya não partilha da natureza tamasika (obscura) deles, visto ser um sattva graha (um graha afinado com o esclarecimento e a bondade). Sūrya é áspero devido ao seu comprometimento com a verdade, e sabemos bem que a verdade muitas vezes dói ou pode agir de forma ofuscante, assim como é quando nos expomos ao calor de Sūrya ou o olhamos diretamente.

Um rei/governante, por exemplo, para manter a ordem social, muitas vezes tem que usar de ações cruéis: prender, expor, punir, ou até mesmo mandar matar. Se refletirmos com cuidado, embora essas suas ações visem o bem, elas são desagradáveis e pesadas, e essas são qualidades próprias dos maléficos, ainda que tais ações não venham carregadas da crueldade gratuita ou meramente vingativa dos outros maléficos. Essa distinção se deve em partes ao fato do termo maléfico, na verdade, ser uma tradução simplista dessa categoria de grahas. A palavra originalmente utilizada para designar os maléficos é krūra, que pode significar cruel, mas também desagradável, duro, áspero, doloroso e até mesmo forte. Logo, o graha ser krūra não implica necessariamente em maldade/vilania, mas no mínimo em aspereza. Dessa forma, Sūrya é áspero, mas por natureza, ele não é injusto ou vil.  

domingo, 23 de julho de 2023

Sim, Śani (Saturno) é mais maléfico do que Maṅgala (Marte)

Śani (Saturno) governa vāta, o doṣa (uma função fisiológica) de onde emerge o maior número de doenças, pois vāta tem qualidades como frieza (śīta), secura (rūkṣa) e aspereza (khara), as quais se mostram presentes em Śani e se afinam mais com o desgaste da vida do que com a sua manutenção – ainda que haja uma função sadia também em vāta, e que se expressa melhor em Budha do que em Śani.

Vāta governa a terceira e última fase da vida, assim como o fim de todos os processos: o fim do dia e da noite, o processo final da digestão (que ocorre no intestino grosso) etc. Com Śani não é diferente, pois ele governa a terceira idade, a morte, o intestino grosso e todo o mais conectado aos fins. Logo, é apropriado considerar Śani maléfico e, mais do que isso, ele é o principal maléfico, pois as suas qualidades se afinam mais com a morte e com a decadência do que as de Maṅgala (Marte), por exemplo, que por governar pitta, ainda tem uma certa relação com a vida, pois pitta é quente, e a vida é justamente sobre isso: calor. Maṅgala é maléfico porque peca pelo seu excesso, assim como um jovem que, devido a sua confiança cega em sua própria força física e habilidade acaba acidentado ou mesmo morto em uma briga. Por sinal, indivíduos com uma constituição pitta por vezes acabam morrendo por conta de sua imprudência e por seus excessos (como no caso de uma overdose), não exatamente por conta de doenças, visto que possuem um metabolismo forte – daí também de Maṅgala ser o kāraka (significador) da seis (parte digestiva).

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Como eu devo analisar os trânsitos dos grahas?

Trânsitos são um grande interesse do público geral, mas há uma série de coisas que alguns não sabem o quão importantes são para que um trânsito seja realmente relevante. Afinal, todos os trânsitos tem impacto – algo que alguns, mais radicais, também não aceitam, embora seja um fato –, mas nem todos são tão relevantes.

Quando o astrólogo analisa um mapa, nele ele vê múltiplas promessas, mas dentro de um formato atemporal, ou seja, você sabe que a pessoa vai se casar, divorciar e casar de novo, mas essas coisas não vão acontecer ao mesmo tempo, afinal, isso nem sentido faz. Aí é que entram as técnicas de tempo simbólico, que no jyotiṣa nós chamamos de daśās. As daśās funcionam como gatilhos que ativam eventos dentro de uma faixa X de tempo. Logo, há daśās que favorecem casamentos, outras que favorecem divórcios, e o astrólogo deve ser capaz de diferenciar uma coisa da outra para poder prever eventos distintos, mas prometidos no mapa.

Uma vez que o astrólogo sabe usar das daśās para prever eventos, ele deve confirmar esses eventos por meio dos trânsitos. Tanto as daśās quanto os trânsitos são técnicas de predição, mas de naturezas distintas, pois a daśā lida com um tempo simbólico – p. ex.: “fulano vive a daśā de Júpiter, que dura 16 anos, depois entra na daśā de Saturno, que dura 19 anos” –, ao passo que o trânsito lida com um tempo real – p. ex.: “Saturno vai estar passando por aquário até 2025, logo, ele vai afetar X casa do seu mapa até lá”. Essas duas técnicas de predição são interdependentes, pois se ignoramos uma delas, automaticamente diminuímos muito a nossa precisão preditiva.

terça-feira, 23 de maio de 2023

A diferença entre doṣa e ariṣṭa

Hoje em dia há muitas configurações que levam o nome de “doṣa - desequilíbrio”, mas a verdade é que a definição clássica de doṣa não corresponde ao que vemos atualmente. Os doṣas, de acordo com os śāstras (textos de autoridade) de jyotiṣa, são disposições específicas dos svakārakas (significadores pessoais) que afetam o indivíduo de maneira mais global, pois incidem sobre os significadores mais essenciais de um mapa: o ascendente (lagna), a Lua e o Sol. Por exemplo, nascer em kṛṣṇa-chaturdaśī, amāvasyā ou em viṣṭi-karaṇa configura um doṣa lunar, pois esses fatores são todos baseados nos dias lunares. Nascer em saṅkrānti configura um doṣa solar etc.

O BPHS cita uma série de doṣas nos seus capítulos finais, e o Horā ratnam também trata desse assunto em vários capítulos. Ambos os textos partem das mesmas definições do que é um doṣa. Mas, ainda assim, hoje, mesmo conjunções de Saturno com um nodo, ou Marte na 1-2-4-7-8-12 são tratados como doṣas, o que não é apropriado. Ter Saturno conjunto a um nodo configura um ariṣṭa (infortúnio), mas não um doṣa. O mesmo se aplica a ter Marte na 1-2-4-7-8-12, um ariṣṭa para questões afetivas, mas que é muito comum (afinal, abrange metade das posições possíveis a Marte), sendo presente nos mapas de muitas pessoas bem casadas, inclusive.

A diferença fundamental entre um ariṣṭa e um doṣa consiste no fato de que o ariṣṭa tem um impacto específico, mais isolado, ao passo que o doṣa tem um impacto mais abrangente. Por exemplo, no Horā sāra é dito que se todos os grahas estiverem fortes, exceto o Sol e a Lua, eles não darão bons resultados em suas daśās, ao passo que se todos os grahas estiverem fracos, mas o Sol e a Lua fortes, então o indivíduo colherá bons resultados mesmo nas daśās desses grahas fracos. Isso mostra a importância dos luminares em um mapa. Todos os doṣas clássicos envolvem os luminares ou o ascendente. Logo, estender a ideia de doṣa para outros grahas é extrapolar o significado desse conceito. Sem dúvida uma conjunção de dois maléficos não é boa (a princípio), mas ela não configura um doṣa, mas sim um ariṣṭa.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Cursos online de astrologia indiana para o segundo semestre de 2023 - inscrições vão até 7 de julho

Abrirei no mês de julho novas turmas para os meus três cursos online de Parāśarī jyotiṣa, de nível I, II e III, e também para o curso de introdução ao Jaimini jyotiṣa. No caso do curso de Parāśarī, o curso de nível I é o de fundamentos básicos do jyotiṣa, o de nível II é o curso de yogas, as configurações dos grahas, enquanto o de nível III é o de técnicas preditivas como daśās, trânsitos e revolução solar (varṣaphala).

A data máxima para inscrição vai até o dia 7 de julho, portanto, os interessados devem se inscrever neste link de pré-inscrição, caso o interesse seja no curso de nível I, ou me contatar via e-mail (jyotishabr@gmail.com) ou whatsapp (12997494931 ou neste link). As datas de início das turmas, a princípio seriam as seguintes – o que pode ser modificado conforme a necessidade e disponibilidade dos alunos:

11.07 às 19h – Fundamentos básicos

12.07 às 19h – Yogas

13.07 às 19h – Técnicas preditivas

14.07 às 19h - Jaimini

Abaixo dou maiores informações sobre cada um dos cursos separadamente, o que inclui valores:

 

NÍVEL I - FUNDAMENTOS BÁSICOS DO JYOTIṢA

Esse curso é focado no método descrito por Varāhamihira em seu Bṛhat jātaka e que foi expandido na Sārāvalī, Phaladīpikā e Jātaka pārījāta, os quais integram os quatro principais textos de jyotiṣa. No entanto, também complementaremos o nosso estudo com outras referências clássicas, tais como o Bṛhat Parāśara horā śāstra e o Sarvārtha chintāmaṇi.

O curso tem extensão de cinco meses e abrange os seguintes tópicos:

1. Introdução ao jyotiṣa

2. Karma, reencarnação e destino (daiva)

3. Os doze signos (rāśis) e o āyanāṁśa (precessão dos equinócios)

4. Os nove planetas (grahas)

5. Olhares dos planetas (graha-dṛṣṭis)

6. Avaliando a força dos planetas (graha-bala)

7. As divisões de um signo (vargas)

8. As doze casas (bhāvas)

9. Kendras (1, 4, 7 e 10) & koṇas (5 e 9)

10. Upachayas (3, 6, 10 e 11), dusthānas (6, 8 e 12) & mārakas (2 e 7)

11. Natureza funcional dos planetas para cada ascendente

12. O processo de delineação

13-19. Aulas práticas

20. Pacificação dos planetas (graha-śāntiḥ)

Com este curso, o aluno poderá compreender como a delineação de um mapa deve ser realizada, o que o tornará apto a interpretar um horóscopo a um nível básico ou intermediário, a depender de seu empenho.

O valor do curso é de R$ 2200,00 à vista ou parcelado via Mercado Pago em até 12x. As aulas são semanais, dadas via Google Meet (vídeo-conferência) e serão todas gravadas em vídeo e áudio para que os alunos possam estuda-las posteriormente, o que é especialmente útil para aqueles que não podem comparecer com regularidade as aulas online. Além disso, o curso inclui PDFs riquíssimos e muitos mapas para exemplificação.

Serão incluídas também no curso referências bibliográficas, artigos diversos, outros tipos de materiais complementares ao ensino, grupo no Whatsapp para esclarecimentos de dúvidas. Além disso, enviarei a todos um arquivo contendo os principais textos clássicos em PDF para consultas ao longo do curso.

Para inscrição é necessário fazer a pré-inscrição neste link.

sábado, 29 de abril de 2023

Análise afetiva - exemplo de como o estudo de um tema é conduzido

Para determinar em um mapa quais frutos uma pessoa colherá em um dado assunto, nós precisamos estudar vários elementos, comparar perspectivas etc. A minha abordagem em relação a isso envolve usar tanto da perspectiva do método parāśari quanto jaimini, assim como elementos de Bhṛgu nandi nāḍī. Neste artigo, no entanto, eu vou me deter a apresentar uma análise a partir das perspectivas parāśari jaimini.

Partindo de parāśari, nós devemos estudar os seguintes elementos:

1.      A sete e seu regente – a partir do lagna, de Lua e Vênus.

2.      O navāṁśa situado na cúspide (bhāva-madhya) da sete e o regente desse navāṁśa.

3.      Vênus, os seus dispositores (rāśi e navāṁśa) e os grahas situados em 2-4-5-7-9-10-12 dele.

4.      O lagna, por ele ser a sete da sete.

Jaimini já acrescenta a análise dos seguintes pontos:

1.      A sete a partir de lagnas como svāṁśa-lagna e yogada-lagna.

2.      Darākāraka.

3.      Upapāda-lagna.

Agora, vou exemplificar esse tipo de análise combinada no mapa da Elizabeth Taylor, a qual viveu oito casamentos ao longo de sua vida, fora romances passageiros.


 

segunda-feira, 17 de abril de 2023

A vida espiritual existe à parte do mapa astrológico?

Um tema que gera muitas dúvidas é este: a vida espiritual existe à parte do mapa, ou é algo que também estudamos por meio do mapa? Bem, a resposta para isso, na minha humilde opinião, pode ser encontrada se seguimos três passos: (1) uma investigação filosófica sobre tattvas (verdades) fundamentais, tomando por referência os śrutis e smṛtis (os textos védicos); (2) a busca por referências sobre vida espiritual nos textos clássicos de jyotiṣa; (3) a observação direta dos mapas de sādhakas (praticantes espirituais) e siddhas (santos, as almas autorrealizadas).

Em relação ao primeiro passo da nossa investigação, é notável que o kāla/daiva (tempo/destino) é referido no Bhagavata-purāṇa[1], o comentário natural ao Vedānta-sūtra, como imutável. Isso é consubstanciado por várias passagens do Rāmāyaṇa, Mahābhārata, Bhagavad-gītā e das Upaniṣads. Na Gītā, por exemplo, os versos 5.8-9, 5.14, 13.20, 13.30, 13.32 etc., são alguns exemplos onde se esclarece que todas as ações realizadas dentro da realidade material são produto de prakṛti/traiguṇya (a natureza fenomênica/os três guṇas), e não do ser vivo (jīva). Há também versos como 2.14 que esclarecem como a experiência da dualidade dentro dessa realidade é inevitável e deve ser tolerada, ou seja, não há como controlarmos o destino ao nosso bel-prazer. Ao invés de estimular o controle sobre a natureza, o vedānta nos ensina a importância de se cultivar o desprendimento e a equanimidade (frutos naturais do sacrifício espiritual) como um meio de não se deixar afetar pelas dualidades (alegrias e tristezas, honra e desonra etc.) do mundo, visto que essas não têm relação alguma com a alma nem a afetam. Ou seja, a mensagem do vedānta é sobre curvar-se perante a realidade, ao invés de chocar-se com ela. Dada a natureza transcendental da alma, não há porque se deixar abalar pelas experiências transitórias e naturais deste mundo.

Em vista dessas afirmações todas dos śāstras, fica evidente que qualquer movimento realizado dentro do mundo material é oriundo da ação dos guṇas, logo, ele precisa se expressar dentro de suas leis. 
Por exemplo, se eu me dedico a realizar uma peregrinação, um ato espiritual, para isso eu preciso usar o meu corpo, a minha mente etc., logo, essas ações todas também precisam estar representadas nos símbolos astrológicos, os quais abordam justamente os guṇas/prakṛti que envolvem tanto os aspectos materiais densos (o corpo) quanto sutis (a mente, o intelecto e o falso-ego/ahaṅkāra). Essa mesma lógica se aplica a qualquer outro tipo de ação voltada para o âmbito espiritual.