Um rei/governante, por exemplo, para manter a ordem social, muitas vezes tem que usar de ações cruéis: prender, expor, punir, ou até mesmo mandar matar. Se refletirmos com cuidado, embora essas suas ações visem o bem, elas são desagradáveis e pesadas, e essas são qualidades próprias dos maléficos, ainda que tais ações não venham carregadas da crueldade gratuita ou meramente vingativa dos outros maléficos. Essa distinção se deve em partes ao fato do termo maléfico, na verdade, ser uma tradução simplista dessa categoria de grahas. A palavra originalmente utilizada para designar os maléficos é krūra, que pode significar cruel, mas também desagradável, duro, áspero, doloroso e até mesmo forte. Logo, o graha ser krūra não implica necessariamente em maldade/vilania, mas no mínimo em aspereza. Dessa forma, Sūrya é áspero, mas por natureza, ele não é injusto ou vil.
Sūrya também é considerado krūra porque quando algum graha fica conjunto a ele, esse graha acaba combusto (asta). Os grahas combustos são grahas cuja visibilidade fica comprometida pela refulgência solar, e a combustão é especialmente severa quando o graha combusto se vê atrás do disco solar (dentro de seu ciclo sinódico), como sempre ocorre com Maṅgala (Marte), Guru (Júpiter) e Śani (Saturno). Śukra (Vênus) e Budha (Mercúrio), diferente dos grahas superiores (Mar-Jup-Sat), podem tanto estar combustos atrás de Sūrya quanto à frente dele (entre ele e a Terra), por serem grahas inferiores, isso é, cuja órbita se dá entre a Terra e o Sol.
O graha combusto é
denominado kopa – irado, ou em uma situação de aflição mais severa, ele
é chamado de kṣobhita – agitado/inquieto/ansioso. Uma analogia pode nos
ajudar a entender isso: imagine como você se sentiria em um deserto situado bem
na linha do equador, no horário do meio-dia, bem no ápice do verão, sem um
chapéu para lhe proteger a cabeça ou água para saciar a sua sede. Certamente
você ficaria irado e agitado diante de um calor tão excessivo. Portanto, essa é
uma forma de nós visualizarmos os efeitos da combustão. O graha combusto
se vê sujeito ao calor e a secura extremas de Sūrya, o que não só lhe irrita
como lhe frustra, pois diante de um calor escaldante nós nos sentimos fracos e
nos cansamos muito mais facilmente. Parāśara, por exemplo, chega a citar que se
um graha detém vaiśeṣikāṁśas (está digno em muitos vargas)
ou detém alguma outra força especial, mas se encontra combusto, a combustão
atua como um yoga-bhanga, ou seja, ela cancela os benefícios dessa condição
específica do graha em questão. Claro que há um certo grau de relatividade
nisso, pois se por um lado a combustão enfraquece, por outro as diferentes forças
que um graha pode ter lhe ajudam a demonstrar mais resistência e
performance diante da combustão.
Há também a ideia de que, por ser muito autocentrado, Sūrya exerce uma influência separadora sobre o que toca. Logo, se Guru (Júpiter) está combusto, o indivíduo pode se ver privado de ter filhos ou separado desses, já se Śani (Saturno) é que se encontra nessa condição, então seriam pessoas mais velhas, como os avós, que podem não ter tido contato com o indivíduo, ou acabaram partindo cedo etc. Logo, a opção dos indianos de classificar Sūrya como um maléfico parte de uma perspectiva que é filosófica, mas também muito prática. E ainda que Sūrya seja classificado como maléfico, o fato dele ser sattva torna as suas ações desagradáveis importantes para a preservação da ordem das coisas, diferente de Maṅgala (Marte) e Śani (Saturno), cujas ações desagradáveis muitas vezes se baseiam em um mero apetite pela destruição, característica de sua natureza tamasika – obscura e ignorante. Afinal, enquanto sattva fala sobre a preservação das coisas, tamas trata da destruição e corrupção delas.
oṁ tat sat
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