O BPHS cita uma
série de doṣas nos seus capítulos finais, e o Horā ratnam também
trata desse assunto em vários capítulos. Ambos os textos partem das mesmas
definições do que é um doṣa. Mas, ainda assim, hoje, mesmo conjunções de
Saturno com um nodo, ou Marte na 1-2-4-7-8-12 são tratados como doṣas, o
que não é apropriado. Ter Saturno conjunto a um nodo configura um ariṣṭa (infortúnio),
mas não um doṣa. O mesmo se aplica a ter Marte na 1-2-4-7-8-12, um ariṣṭa
para questões afetivas, mas que é muito comum (afinal, abrange metade das
posições possíveis a Marte), sendo presente nos mapas de muitas pessoas bem
casadas, inclusive.
A diferença fundamental entre um ariṣṭa e um doṣa consiste no fato de que o ariṣṭa tem um impacto específico, mais isolado, ao passo que o doṣa tem um impacto mais abrangente. Por exemplo, no Horā sāra é dito que se todos os grahas estiverem fortes, exceto o Sol e a Lua, eles não darão bons resultados em suas daśās, ao passo que se todos os grahas estiverem fracos, mas o Sol e a Lua fortes, então o indivíduo colherá bons resultados mesmo nas daśās desses grahas fracos. Isso mostra a importância dos luminares em um mapa. Todos os doṣas clássicos envolvem os luminares ou o ascendente. Logo, estender a ideia de doṣa para outros grahas é extrapolar o significado desse conceito. Sem dúvida uma conjunção de dois maléficos não é boa (a princípio), mas ela não configura um doṣa, mas sim um ariṣṭa.
Na internet nós
encontramos coisas como aṅgaraka doṣa (Marte com Rāhu), śrapit doṣa
(Saturno com Rāhu), Maṅgala doṣa (Marte em 1-2-4-7-8-12), kāla sarpa
doṣa (todos os grahas entre Rāhu-Ketu) etc. Porém, essas configurações não
são doṣas, mas sim ariṣṭas, pois o dano que causam é específico,
abrange uma(s) certa(s) área(s) da vida. Inclusive, kāla
sarpa doṣa nem sequer foi citado na literatura clássica, e quem o pesquisou
com cuidado já pôde perceber que não é nada funcional, logo, o melhor é ignora-lo
por completo. O próprio K. N. Rao escreveu um livro inteiro a respeito do
assunto incluindo vários exemplos de kāla sarpa e mostrando como esse “doṣa”
é disfuncional e só mais um dentre os muitos “doṣas” que abundam por aí.
Em relação ao “śrapit
doṣa”, o qual eu chamo de viṣa yoga (viṣa – veneno), ele está
presente no mapa do Edgar Cayce e da Helena Blavatsky, que viam/falavam com
espíritos; de figuras vis como Marilyn Manson e Charles Manson; de pessoas
que sofriam com algum vício, como Jack Kerouac, Raul Seixas e Demri Parrott;
mas também pode ser encontrado no mapa de yogīs como Svāmī Śivanānda e Tirumalai
Kṛṣṇamācharya. Esse mesmo yoga, inclusive, pode se tornar um rāja yoga se
vier a ocorrer em um kendra ou em um koṇa para os lagnas libra e
touro, ou em kendra para os lagnas gêmeos e virgem, ou em koṇa
para aquário e capricórnio. Portanto, o viṣa yoga é um ariṣṭa
sim, sem dúvida, mas a depender do contexto ele pode ser até mesmo um rāja
yoga. Definir esse ariṣṭa como um doṣa é extrapolar o seu
significado, pois o peso atribuído à palavra doṣa é notavelmente maior
quando partimos de uma definição clássica. E não só, mesmo nos tempos atuais,
quando se diz que o indivíduo tem um “śrapit doṣa”, na mente das pessoas isso
é quase que um atestado de fracasso e miséria – o que não é verdade. O mesmo
pode-se dizer do Maṅgala doṣa/Kuja doṣa em relação à vida afetiva.
Quando alguém diz que é maṅglik (ou seja, que tem esse doṣa), é
praticamente o mesmo que dizer: “Eu estou fadado a não dar certo afetivamente” –
outra inverdade, pois 50% da população é “maṅglik”, ainda assim nem
todos são um fracasso afetivo. Ter Marte influenciando a sete ou a oito não é
garantia de insucesso afetivo, pois essa é só uma influência dentre tantas que
devem ser investigadas. Marte não tem um peso maior, ao ponto de sobrepor todas as
outras indicações, logo, é exagerada a maneira como tratam essa configuração.
Enfim, dada essa explicação,
espero que fique claro para você a diferença fundamental entre um doṣa e
um ariṣṭa. Definitivamente, há uma clara diferença entre uma coisa e
outra.
oṁ tat sat
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