sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Astrologia: sistema ou método?

Definir a astrologia como um sistema preditivo é algo comum. Usamos a palavra “sistema” a torto e a direito para se referir a esse vidyā, porém, se analisamos a palavra “sistema” cuidadosamente, então isso nos leva a perceber que a astrologia não é e nunca será um sistema.

A definição de um sistema envolve justamente previsibilidade absoluta. Trata-se de um processo com começo, meio e fim bem definidos e perfeitamente funcionais, características essas que a astrologia como um todo (seja a indiana, ocidental, chinesa, etc.) não tem e, é justamente por isso que pesquisas, replicações estatísticas e outras metodologias similares não funcionam tão bem na astrologia. Mas afinal, isso a torna uma disciplina fajuta e enganosa? A resposta é um sonoro NÃO! Pois a astrologia, embora use muito da matemática, não é em si uma disciplina linear e perfeitamente matemática. Ela é bem mais complexa que isso, daí também de jamais podermos defini-la como ciência na acepção moderna da palavra[1].

Se procuramos realizar uma pesquisa sobre uma configuração específica, um yoga, por exemplo, vamos nos deparar com casos completamente distintos entre si. Posso dizer, inclusive, que replicar um yoga raramente funciona. O número de variações possíveis para um mesmo yoga são gigantescas, mas ainda sim, mensuráveis. Logo, se fosse só esse o problema, então isso não seria lá um obstáculo intransponível, especialmente para yogas mais simples. 

Na verdade, a grande fonte dos problemas da astrologia está no fato de que nenhuma configuração existe à parte de outras, da mesma forma que alguém não pode isolar por completo o funcionamento de um braço, uma vez que esse está atrelado ao corpo como um todo e depende desse para funcionar, afinal, todos os tecidos de que um braço é composto são preservados pelo processo digestivo, seus movimentos dependem do sistema nervoso, que por sua vez está ligado ao cérebro, etc. Quando transpomos essa mesma realidade para a astrologia, então o número de configurações de suporte ou mesmo de nulificação para um mesmo yoga tornam-se infindáveis! Daí de ser impossível ou no mínimo utópico tornar a astrologia um sistema, do contrário, já teríamos softwares realizando delineações e predições de sucesso e não dependeríamos do astrólogo em si, bastaria que alguém descobrisse uma forma de sistematizar esse conhecimento. Logo, que fique claro: a astrologia não é um sistema.

A definição mais apropriada para a astrologia é a de “método de delineação e predição”. Isso porque um método não é rigoroso e estrito como um sistema, tanto é que podemos desenvolver um número sem par de métodos astrológicos e isso não quer dizer que um seja melhor do que o outro, embora haja sim métodos mais coerentes, funcionais e organizados do que outros. Inclusive, um método pode funcionar bem para um indivíduo e para alguns outros, mas ele definitivamente não vai funcionar bem para todas as pessoas, isso porque ele não é perfeitamente objetivo. Métodos são por natureza bastante subjetivos. Daí de termos tantas escolas de astrologia: Parāśari, Jaimini, Bhṛgu, KP, Iyer, tājika, isso para não falar também das escolas de astrologia helenística, medieval, moderna, chinesa, etc. Afinal, o número de divisões possíveis a uma circunferência é infinito! Daí de tantos métodos serem possíveis, o que torna em grande parte (mas não absolutamente!) fúteis discussões sobre qual método é verdadeiro e qual método é falso.

Isso, por sinal, nos leva a uma outra questão, a da impossibilidade de alguém tornar-se um astrólogo simplesmente por meio de um estudo técnico do assunto. Não à toa nos śāstras de jyotiṣa é dito que um jyotiṣī tem de ter uma série de qualificações que não tem apenas relação com habilidade intelectual. Algumas dessas qualificações giram em torno do âmbito moral ou mesmo espiritual, uma vez que um jyotiṣī precisa ter uma percepção clara e uma intuição aguçada para ter sucesso em suas interpretações e predições, coisas essas que uma conduta imoral e uma atitude estritamente racional acabam avariando.

Por essas e outras, a astrologia não é e nunca será um sistema. Além disso, ela permanecerá sempre um mistério, especialmente às pessoas que se aproximam dela com atitude cartesiana e que buscam objetiva-la, pois na verdade é ela quem nos objetiva. A astrologia é o jyotir-vidyā, uma sabedoria viva. Não se trata de um rato de laboratório, mas sim da própria inteligência imanente no cosmo, a qual um jyotiṣī pode acessar apenas de forma bastante limitada, e isso quando ele se mostra reverente e qualificado o suficiente para ser um receptáculo dessa sabedoria, com a qual se pode dar sentido aos sinais e movimentos dos corpos celestes. Nesse sentido, há sim um elemento na astrologia que é por natureza iniciático, daí de alguns a tratarem como um conhecimento oculto, definição essa que não é a mais perfeita, mas ainda assim descreve algo sobre a natureza dessa disciplina.

oṁ tat sat



[1] De acordo com René Guenon, a astrologia é uma ciência sagrada ou tradicional, assim como a alquimia. Essa sim é a definição correta da astrologia, enquanto ciência.

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