A
definição de um sistema envolve justamente previsibilidade absoluta. Trata-se
de um processo com começo, meio e fim bem definidos e perfeitamente funcionais,
características essas que a astrologia como um todo (seja a indiana, ocidental,
chinesa, etc.) não tem e, é justamente por isso que pesquisas, replicações estatísticas
e outras metodologias similares não funcionam tão bem na astrologia. Mas
afinal, isso a torna uma disciplina fajuta e enganosa? A resposta é um sonoro
NÃO! Pois a astrologia, embora use muito da matemática, não é em si uma
disciplina linear e perfeitamente matemática. Ela é bem mais complexa que isso,
daí também de jamais podermos defini-la como ciência na acepção moderna da
palavra[1].
Se
procuramos realizar uma pesquisa sobre uma configuração específica, um yoga, por exemplo, vamos nos deparar com
casos completamente distintos entre si. Posso dizer, inclusive, que replicar um
yoga raramente funciona. O número de
variações possíveis para um mesmo yoga são
gigantescas, mas ainda sim, mensuráveis. Logo, se fosse só esse o problema,
então isso não seria lá um obstáculo intransponível, especialmente para yogas mais simples.
Na verdade, a grande
fonte dos problemas da astrologia está no fato de que nenhuma
configuração existe à parte de outras, da mesma forma que alguém não pode
isolar por completo o funcionamento de um braço, uma vez que esse está atrelado
ao corpo como um todo e depende desse para funcionar, afinal, todos os tecidos
de que um braço é composto são preservados pelo processo digestivo, seus
movimentos dependem do sistema nervoso, que por sua vez está ligado ao cérebro,
etc. Quando transpomos essa mesma realidade para a astrologia, então o número
de configurações de suporte ou mesmo de nulificação para um mesmo yoga tornam-se infindáveis! Daí de ser
impossível ou no mínimo utópico tornar a astrologia um sistema, do contrário,
já teríamos softwares realizando delineações e predições de sucesso e não
dependeríamos do astrólogo em si, bastaria que alguém descobrisse uma forma de
sistematizar esse conhecimento. Logo, que fique claro: a astrologia não é um
sistema.
A
definição mais apropriada para a astrologia é a de “método de delineação e
predição”. Isso porque um método não é rigoroso e estrito como um sistema,
tanto é que podemos desenvolver um número sem par de métodos astrológicos e
isso não quer dizer que um seja melhor do que o outro, embora haja sim métodos mais
coerentes, funcionais e organizados do que outros. Inclusive, um método pode
funcionar bem para um indivíduo e para alguns outros, mas ele definitivamente
não vai funcionar bem para todas as pessoas, isso porque ele não é
perfeitamente objetivo. Métodos são por natureza bastante subjetivos. Daí de
termos tantas escolas de astrologia: Parāśari, Jaimini, Bhṛgu, KP, Iyer, tājika,
isso para não falar também das escolas de astrologia helenística, medieval,
moderna, chinesa, etc. Afinal, o número de divisões possíveis a uma
circunferência é infinito! Daí de tantos métodos serem possíveis, o que torna em grande parte (mas não absolutamente!) fúteis discussões sobre qual método é verdadeiro e qual método é falso.
Isso, por sinal, nos leva a uma outra questão, a da impossibilidade de alguém tornar-se um
astrólogo simplesmente por meio de um estudo técnico do assunto. Não à toa nos śāstras de jyotiṣa é dito que um jyotiṣī
tem de ter uma série de qualificações que não tem apenas relação com
habilidade intelectual. Algumas dessas qualificações giram em torno do âmbito
moral ou mesmo espiritual, uma vez que um jyotiṣī
precisa ter uma percepção clara e uma intuição aguçada para ter sucesso em
suas interpretações e predições, coisas essas que uma conduta imoral e uma
atitude estritamente racional acabam avariando.
Por
essas e outras, a astrologia não é e nunca será um sistema. Além disso, ela
permanecerá sempre um mistério, especialmente às pessoas que se aproximam dela
com atitude cartesiana e que buscam objetiva-la, pois na verdade é ela quem nos
objetiva. A astrologia é o jyotir-vidyā,
uma sabedoria viva. Não se trata de um rato de laboratório, mas sim da própria
inteligência imanente no cosmo, a qual um jyotiṣī
pode acessar apenas de forma bastante limitada, e isso quando ele se mostra
reverente e qualificado o suficiente para ser um receptáculo dessa sabedoria, com a qual se pode dar sentido aos sinais e movimentos dos corpos celestes. Nesse
sentido, há sim um elemento na astrologia que é por natureza iniciático, daí de
alguns a tratarem como um conhecimento oculto, definição essa que não é a mais
perfeita, mas ainda assim descreve algo sobre a natureza dessa disciplina.
oṁ tat sat
[1] De acordo com René Guenon, a
astrologia é uma ciência sagrada ou tradicional, assim como a alquimia. Essa
sim é a definição correta da astrologia, enquanto ciência.
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