quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

O que é Jaimini jyotiṣa?

O melhor comentário ao JUS, por Sri Irangati.
Em geral, quando escrevo neste blog, trato de Parāśari jyotiṣa, o mais popular e seguro dentre os métodos de jyotiṣa existentes, o qual tem por principal diferencial as graha/udu daśās (sistemas de predição baseados nos planetas) como a viṁśottarī, aṣṭottarī, dvī-saptati sama daśā, etc. Porém, hoje decidi escrever sobre um método de jyotiṣa que me atrai muito já a anos, mas ao mesmo tempo sempre me frustrou pelo grande labirinto que veio a se tornar, devido a corrupção natural que o tempo causou sobre essa incrível metodologia de jyotiṣa. Falo de Jaimini.

Esse sistema, extremamente mal compreendido e enigmático, baseia-se em rāśi dṛṣṭi (olhares por signos), invés de graha dṛṣṭi (olhares por planetas); em padas, argalas, yogadas, svāṁśa e lagnas especiais (divya lagna, tāra lagna, savayāva horā lagna, etc.)[1], assim como também em chara kārakas (significadores variáveis). Para prever, são importantes principalmente as rāśi daśās (sistemas de predição baseados em signos), ainda que o sistema de Jaimini também inclua certas rāśi daśās que combinam elementos de graha daśās, como é o caso das paryāya daśās (chara paryāya, sthira paryāya, kāraka, upagraha, drekkāṇa daśā, etc.) descritas em 2.4. dos Upadeśa sūtras de Jaimini.

Todos esses princípios encantadores, no entanto, estão codificados por meio do sistema kaṭapayādi, em sūtras que são não só muito enigmáticos como também condensados, os chamados Upadeśa sūtras de Jaimini, cuja data de composição permanece um mistério, embora muito possivelmente seja posterior ou da mesma época de Varāhamihira (séc. VI). Podemos inferir isso pelo fato do mais antigo registro do sistema kaṭapayādi datar do século VII, assim como também por estudos comparativos de outros clássicos, incluindo textos que tratam de Jaimini jyotiṣa, como o Jyotiṣa phalaratnamala, considerado por Śrī Irangati Rangācharya como sendo o opus magnum da tradição.

Inclusive, é importante mencionar que, assim como no vedānta a compreensão dos Vedānta sūtras/Brahma sūtras depende do auxílio de comentários tradicionais, os Upadeśa sūtras de Jaimini não são exceção. No entanto, nos dias atuais a corrupção desse sistema chegou a um ponto tão grande que a relativização dos sūtras atingiu um nível caótico. Várias "traduções" dos Jaimini sūtras circulam por aí, com especulações diversas e discordâncias incontáveis entre si. Ou seja, já não bastasse a complexidade e as diferenças que existem mesmo dentro da tradição de Jaimini jyotiṣa, hoje ainda temos vários astrólogos intelectualmente desonestos (ou ingênuos) impondo suas próprias ideias sobre as ideais de Jaimini e corrompendo cada vez mais esse magnífico sistema, por orgulho e alguns também por ignorância em relação a tradição de comentários e tratados de Jaimini jyotiṣa já existentes, dos quais os mais destacados advém do sul da Índia. 

Kṛṣṇa Miśra, Somanātha, Raghavabhatta, assim como também Nṛsiṁha Suri, autor do Sūtrārtha prakaśika, são algumas das principais autoridades antigas dessa tradição, enquanto os já póstumos Madhura Kṛṣṇamurthy, o lendário Śrī Vemuri Ramāmurthy e o recém-falecido Śrī Irangati Rangācharya, são exemplos de eruditos contemporâneos em Jaimini jyotiṣa. Inclusive, é imperativo que eu cite o nome de Shanmukha Teli, um dos discípulos de Śrī Irangati Rangācharya, com o qual mantenho contato desde 2015 e que foi a pessoa que abriu meus olhos em relação a tudo o que disse acima, mostrando o quão equivocado e distorcido era aquele nada (definitivamente um nada) que eu julgava ser a verdadeira astrologia Jaimini. Não fossem as várias trocas de mensagens com o Shanmukha, as quais persistem até hoje, eu jamais teria entendido sequer o que não é Jaimini jyotiṣa, o que dizer então de entender o que é o Jaimini jyotiṣa.

Desde a minha primeira conversa com o Shanmukha já se passaram aproximadamente três anos e meio, nos quais pude rever muito do que eu pensava, testar as técnicas e estudar as obras disponíveis em inglês, por sinal poucas quando comparadas ao grande número de materiais escritos principalmente em telugu e sânscrito. Com isso, embora hoje eu ainda seja não mais que um neófito em Jaimini, sinto-me mais confiante e esperançoso quanto a possibilidade de não só integrar as técnicas de delineação como também as de predição ensinadas por Jaimini, sendo essas últimas as que mais me causaram dores de cabeça nos últimos anos.

No caso, o sistema de daśās de Jaimini se divide em āyur daśās, com as quais se pode prever o momento da morte, e phalita daśās, usadas para prever eventos gerais. As āyur daśās que pude aprender foram onze das treze que conheço, sem contar algumas variações, enquanto as phalita daśās que aprendi até então foram onze das dezenove que tive a oportunidade de conhecer, também incluindo algumas variações. Dessas dezenas de rāśi daśās, muitas são condicionais, aplicando-se apenas a certos horóscopos. Para um estudo, no entanto, é necessário cruzar os dados de várias daśās antes de chegar a uma conclusão. A dificuldade, no entanto, é usar de Jaimini sem também flertar com Parāśara, ainda que como um sistema secundário. Ao que parece, o único astrólogo mais recente que valia-se exclusivamente de Jaimini para realizar suas predições (incrivelmente precisas) foi Śrī Vemuri Ramamurthy, que K. N. Rao diz ter sido o maior astrólogo dos últimos seiscentos anos. É dito que Śrī Vemuri Ramamurthy chegou a estudar trinta textos de Jaimini jyotiṣa, o que é alarmente quando comparado aos atuais "eruditos" e "tradutores" do Upadeśa sūtra, que ignoram os textos tradicionais de Jaimini e tomam apenas da versão interpolada do Bṛhat Parāśara horā śāstra como referência, a qual é muito distinta do BPHS original, dos séculos VI-VIII[2]. Inclusive, tanto os (verdadeiros) eruditos contemporâneos quanto antigos de Jaimini jyotiṣa não tomaram do BPHS como referência - tanto o antigo quanto o moderno interpolado -, mas sim do Vṛddha kārikā e outros textos que estivessem de acordo com esse. Não a toa, entre os comentários e tratados do sul da Índia é onde encontramos uma maior concordância entre os astrólogos a respeito dos diferentes princípios da astrologia Jaimini, pois esses se basearam justamente em Vṛddha kārikā para entender o Upadeśa sūtra.

oṁ tat sat



[1] Śrī Irangati Rangācharya, um dos maiores eruditos em Jaimini jyotiṣa, chegou a mencionar para um de seus discípulos, Shanmukha Teli, que há por volta de dezoito lagnas especiais descritos na tradição de Jaimini.
[2] Em seu "Jyotiḥśāstra - Astral and mathematical literature", David Pingree lista todos os capítulos dessa versão mais antiga do BPHS. Basta compará-la a atual para ver como o BPHS atual é corrompido.

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