terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Ātmakāraka & svāṁśa-lagna

No artigo anterior, falei sobre os chara kārakas, explicando porque é uma opção mais segura usar sete e não oito kārakas. Isso era necessário para poder escrever esse artigo atual, sobre o mais importante dos chara kārakas: o ātmakāraka.

A palavra ātmakāraka é muito significativa, pois ātman se refere a alma, enquanto kāraka é um termo utilizado para designar um "significador". Portanto, ātmakāraka seria o significador da alma. Mas, isso levanta um problema de ordem filosófica. De acordo com as upaniṣads, o ātman não detém qualquer qualidade material, logo, assumir que um graha representa o ātman seria absurdo. O que então Jaimini quis dizer com isso? A resposta, no caso, é de que, embora o ātman não tenha qualidades materiais, quando esse trava contato com māyā, ele assume um estado condicionado (baddha-avasthā), no qual parece ser encoberto por uma designação material específica, como a de ser um homem, mulher, brasileiro, japonês, etc. O ātmakāraka, portanto, seria o graha que melhor representaria essa designação adquirida, com a qual a pessoa pode agir e interagir com o mundo.

Dada essa introdução, agora vamos a identificação do ātmakāraka em um jātaka (horóscopo). No caso, deve-se notar qual graha atingiu a maior longitude em um signo, ignorando os nodos. Um exemplo: se Sūrya (Sol) ocupa 29º45' (independente do signo), sendo que nenhum outro graha possui uma longitude superior a dele, então esse será o ātmakāraka. Com isso, já se pode inferir que o indivíduo se mostrará identificado ou será reconhecido pelas características solares, ou seja, ele pode ser um líder nato, estar envolvido com questões políticas, ser constante, nobre, ríspido, arrogante, dentre outras coisas que poderão ser determinadas pela observação da situação geral de Sūrya, i. e., a casa, signo ocupado pelo mesmo, os olhares que recebe, as conjunções que forma, etc.

Outra coisa muito interessante que Jaimini menciona a respeito do ātmakāraka é:

sa īśte bandhamokṣayoḥ (1.1.11)

Cujo significado é de que o ātmakāraka "detém a capacidade de enredar ou libertar o indivíduo", sendo muito relevante, portanto, no que se refere a condição espiritual de alguém. Porém, o ātmakāraka não é utilizado apenas para ver questões de um ponto de vista espiritual. Inclusive, outro termo usado para designar o mesmo é svakāraka, "significador pessoal", o que também engloba o lagna, lagneśa, o pada lagna e até mesmo os luminares. Um svakāraka é, basicamente, um graha ou lagna usado para caracterizar o indivíduo e estudar a sua vida de maneira global. Tratam-se de diferentes pontos de partida em termos de análise, o que fica evidente quando estudamos especialmente o Jyotiṣa phala ratna mala de Kṛṣṇa Miśra, o qual é tão importante dentro da tradição Jaimini.

Kāraka lagna & svāṁśa

Quando o mapa é interpretado a partir da posição do ātmakāraka, o nome que se dá a esse lagna é kāraka lagna, já quando se toma o navāṁśa ocupado pelo ātmakāraka como um lagna no mapa natal, o nome que se dá a esse lagna é svāṁśa ou kārakāṁśa. O cp. 1.2 do Upadeśa sūtra de Jaimini é inteiramente dedicado a julgar os resultados a partir do svāṁśa, o que se justifica pelo fato de que a posição do ātmakāraka em um signo varia muito menos do que a sua posição do navāṁśa, logo, é mais apropriado usar o svāṁśa do que o kāraka lagna como referência principal.

Infelizmente, hoje em dia, com a ampla disseminação do conceito equivocado de que os vargas são mapas divisionais, as pessoas tem interpretado o svāṁśa a partir do "mapa navāṁśa", o que é absolutamente errado. Tanto entre os textos que são referência na tradição de Jaimini quanto também na tradição de Parāśara, não há um exemplo sequer dos vargas sendo usados como mapas individuais, com casas, conjunções e olhares entre os grahas. Inclusive, no Jātaka sāra saṅgraha, uma importante referência na tradição de Jaimini, Raghavabhatta deixa mais do que claro que as posições dos grahas nos vargas devem ser sobrepostas ao rāśi para se obter informações mais minuciosas. Em momento algum ele usa os vargas como mapas, mas sim como divisões de um signo.

Para demonstrar, portanto, como o svāṁśa deve ser utilizado, incluí logo abaixo o mapa do Mahātma Gandhi:


Notem que Chandra (Lua) é o graha a deter a maior longitude no jātaka, estando à 28º22' de câncer, no navāṁśa de peixes. Assim sendo, peixes é o svāṁśa de Gandhi e deve ser tomado como um lagna

O que se percebe a partir disso é o seguinte:

(1.1) Jaimini diz que quando o ātmakāraka ocupa peixes, o indivíduo alcançará a emancipação ou efetivará uma ascensão espiritual, o que está de acordo com a história de vida de Gandhi, o qual era hinduísta e devotado a Śrī Rāma, tendo seguido uma série de votos ao longo de sua vida.

(1.2) Guru (Jup) ocupa a dois do svāṁśa, sob o olhar de Śani (Sat), o que lhe outorgou uma graduação em direito, além de tê-lo feito vegetariano. Ele também detinha algum conhecimento escritural, sendo especialmente afeito à Bhagavad gītā.

(1.3) Chandra está junto de Rāhu na cinco e recebe o olhar de Śani. Gandhi teve quatro filhos, sendo que um desses foi para o exterior e lhe deu muitos problemas. Esse filho se tornou alcoólatra, inclusive.

(1.4) Sūrya ocupa a sétima casa, em virgem, o que lhe outorgou um casamento tradicional com uma boa mulher. Porém, como o regente da sete está na oito, conjunto a Maṅgala (Mar) e o senhor da oito, Gandhi ficou viúvo, já em idade avançada.

(1.5) Maṅgala, Budha e Śukra (Vên) na oito, sendo que esses também lançam olhares à três, apontam para o seu assassinato, assim como também ao seu empenho em seguir brahmācharya (celibato) pela maior parte de sua vida.

(1.6) Śani na nove sob o olhar de Rāhu, Ketu, Chandra e Guru apontam para o fato de que, embora Gandhi fosse hinduísta, ele jamais aceitou um guru ou o abrigo de uma linhagem específica. Para a tradição isso é contrário aos śāstras. Além disso, a luta de Gandhi foi por uma causa secular e não pelo sanatana-dharma, o que aponta um desvio.

Esse é apenas um breve exemplo de como o svāṁśa deve ser interpretado. No caso, tomei por referência sūtras chave para interpretar cada assunto, embora não os tenha mencionado. Há mais uma série de considerações em relação ao svāṁśa que são mencionadas por Jaimini e quem quiser conhecê-las deve estudar o cp. 1.2 do Upadeśa sūtra.

oṁ tat sat

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