Além do mês civil que é tão importante para os calendários em geral, na
Índia também se considera, especialmente para observações religiosas, o mês
lunar, que se estende de uma Lua nova (āmāvāsya) a outra (amānta-māsa)
ou de uma Lua cheia a outra (pūrṇimānta-māsa) a depender da região ou
tradição em questão.
Um mês lunar consiste de trinta tithīs
(dias lunares), onde quinze se dão durante a fase onde a Lua vai ganhando luz (śukla-pakṣa,
que vai do primeiro dia após a Lua nova até a Lua cheia) e quinze durante a
fase onde a sua luminosidade decresce (kṛṣṇa-pakṣa, do primeiro dia após
a Lua cheia até a Lua nova). Cada uma dessas tithīs corresponde
a uma determinada distância longitudinal entre o Sol e a Lua, tendo cada uma
delas um nome que geralmente é numérico. Por exemplo, pratipad é
o primeiro dia lunar, dvitīya o segundo, etc.
O décimo primeiro dia
lunar tanto da fase crescente quando minguante é chamado de ekadaśī (onze) e, nos Purāṇas, esse dia é citado como ideal para cultivar a devoção a Hari (Kṛṣṇa/Nārāyaṇa/Viṣṇu). A tradição recomenda que
nesse dia todos jejuem e adorem Hari por meio de bhajanas (canções devocionais), mantra-japa,
orações, etc. Logo, o ekadaśī é um vrata, um voto recomendado nas
escrituras. Ele é seguido por adeptos de diferentes tradições, porém é
especialmente glorificado e observado nas tradições vaiṣṇavas.
Abaixo eu listei algumas explicações do ekadaśī, partindo não só da perspectiva do jyotiṣa, mas também do yoga e do āyurveda, para que todos possam entender melhor e se beneficiar desse dia tão especial:
(1.0) Ao longo de um ano
temos vinte e quatro ekadaśīs, ou
seja, dois a cada mês lunar (um ekadaśī
a cada quinze dias, aproximadamente). Além disso, a cada três anos há mais dois
ekadaśīs no ano, devido ao mês lunar
adicional (adhika-māsa). Cada ekadaśī
tem um nome específico, uma história e benefício, os quais são todos descritos
na literatura indiana. O ekadaśī
sempre dura de um nascer do Sol a outro e há certos casos onde o ekadaśī é transferido para o dia
seguinte (dvadaśī), pois não pode
haver qualquer contato de daśamī (o
décimo dia lunar) com uma faixa de até 96 minutos antes do Sol nascer. Se uma
pessoa deseja saber o dia de um ekadaśī é recomendável que consulte um paṇchāṇga (efeméride) vaiṣṇava. Eu, particularmente, sigo o paṇchāṇga do site Pure bhakti. Para
acessá-lo, basta clicar
aqui.
(1.1) Entre daśamī (décimo dia lunar) e dvadaśī (décimo segundo dia lunar), ou
seja, em ekadaśī, a atração magnética
da Lua sobre as marés é maior, visto que a Lua se aproxima da sua fase nova no
período em que decresce em luz ou de sua fase cheia no período em cresce em luz
- época das marés altas. Essa atração magnética perturba todos os corpos de água
da Terra, incluindo os corpos (e mentes, uma vez que a Lua rege a mente) dos
seres em geral, os quais são em grande parte constituídos de água. Devido a
isso, o śāstra recomendar jejuar
completamente em ekadaśī, ou, caso
isso não seja possível, deve-se ao menos jejuar de leguminosas, cereais e grãos.
Isso é recomendado pelo fato de tais alimentos reterem muita água,
especialmente quando cozidos, o que só tem o potencial de agravar a já frágil
situação em que o corpo se encontra nesse dia. Inclusive, é dito no Padma-purāṇa
que no dia de ekadaśī, o pāpa-puruṣa, a própria personificação do
pecado, adentra os grãos e, portanto, todos que ingerem grãos nesse dia se contaminam com pāpa-karma (pecado/disposição caprichosa).
(1.2) O voto de ekadaśī é chamado ekadaśī-upavāsa, onde o significado externo de upavāsa seria "jejum" e o interno, "estar
perto". Uma vez que ekadaśī é
chamado de Mādhava-tīthī ou Hari-vāsara, o próprio dia de Śrī Hari, durante
esse dia devemos procurar sacrificar todos os onze sentidos (ekādaśa-indriya - os cinco sentidos para
aquisição de conhecimento, os cinco sentidos de ação e a mente) em serviço a
Śrī Harī, pois não há realmente diferença entre Śrī Harī e ekadaśī-tithī. Esse é o significado interno de ekadaśī-upāvasa. Japa, bhajana, tapa (austeridade), caridade, serviço aos sādhus (santos), estudo das escrituras, etc., são todos
espiritualmente potencializados nesse dia. Logo, o ideal nesse dia é cultivar
disciplina espiritual e reduzir ao máximo as necessidades físicas, jejuando
completamente de comida e sono ou ao menos não ingerindo grãos e evitando
dormir mais do que o necessário. No Hari-bhakti-vilasa, um livro onde foram
compilados vários versos das escrituras e que é o verdadeiro smṛti (texto que descreve regras em
geral a serem seguidas) dos gauḍīya vaiṣṇavas,
é dito que oito coisas não quebram o jejum de ekadaśī: água, frutas, raízes,
leite, ghī, o pedido de um brāhmaṇa, a ordem do guru e medicações. Além disso, o Brahmā-vaivarta-purāṇa
diz que duas coisas tem o potencial de purificar e libertar os seres do saṁsāra (ciclo de nascimentos e mortes):
o cantar do santo nome de Śrī Hari e o jejum no dia de ekadaśī.
(1.3) Quem pratica um
jejum a cada duas semanas (exatamente o intervalo entre um ekadaśī e outro) é comprovadamente mais saudável, jovial e capaz de
ter uma vida longa. Dentro da perspectiva da ciência médica, um jejum a cada
duas semanas é suficiente para diminuir a perda de telomeres (vide artigos
médicos), os quais estão intimamente associados com o tempo de vida e a saúde
de um indivíduo. Já o āyurveda usa de
jejuns como um meio de curar doenças, afirmando também que a prática regular
desses tem o poder de fortalecer todos os seis elementos fundamentais de uma
boa saúde: digestão, assimilação, eliminação, respiração, pensamento e sono.
Além disso, jejuns regulares conferem mais energia, leveza, regulam os movimentos
intestinais, trazem bem-estar, clareza mental, limpam a língua, fortalecem o apetite
e o sistema imunológico, trazem maior controle sobre os sentidos, etc.
(1.4) O śāstra (escritura) diz que qualquer
pessoa entre oito e oitenta anos de idade deve seguir ekadaśī. A recomendação original é de que no dia anterior ao ekadaśī (daśamī), já se deve observar celibato e idealmente comer apenas uma vez com
atitude religiosa. Durante ekadaśī,
deve-se seguir nirjala-upāvasa (jejum
completo, inclusive de líquidos), ou seja, jejuar completamente de água,
qualquer tipo de alimento e também de sono. No dia seguinte, em dvadaśī, idealmente também se come apenas uma vez, e
o jejum é quebrado durante o pāraṇa,
que é um momento específico, geralmente de três horas e que ocorre algum tempo
após o nascer do Sol. A quebra do jejum é feita com água ou frutas e, caso o
indivíduo tenha comido algo durante ekadaśī (os alimentos permitidos, que foram
mencionados no ponto três, logo acima), então deve quebrar o jejum com algum
grão, leguminosa ou cereal (p.e., trigo, aveia, arroz, lentilha, quinoa, etc.).
É dito que se o indivíduo não quebra o jejum durante o pāraṇa, não colherá os frutos do ekadaśī-upāvasa, portanto, deve-se observar cuidadosamente o pāraṇa.
(1.5) O propósito
principal do ekadaśī é espiritual, ou
seja, envolve o cultivo de devoção (bhakti)
a Śrī Hari. Devido a isso, os vaiṣṇavas
chamam ekadaśī de bhakti-jananī, a mãe da devoção. No
entanto, mesmo que esse voto não seja seguido com propósito espiritual, os
benefícios para a saúde são notáveis, uma vez que o organismo recebe o descanso
necessário nesse dia. Mesmo a mente é aliviada e as fraquezas internas como luxúria, ira, ganância, etc., vão gradualmente perdendo força.
(1.6) Caso seja incapaz
de seguir o jejum completo, por razões de saúde, idade, gravidez ou
incapacidade de controlar os sentidos, procure comer apenas os alimentos apropriados para esse dia. Se possível, coma apenas uma ou duas vezes no dia, idealmente frutas.
(1.7) O nono skandha, quarto capítulo do
Śrīmad-Bhāgavatam e o décimo quarto capítulo do Padma-purāṇa contam līlās (passatempos divinos) envolvendo o
ekadaśī. Além disso, Nārada-purāṇa,
Brahmā-vaivarta-purāṇa, Skanda-purāṇa, Vāyu-purāṇa, Śiva-purāṇa, Kurma-purāṇa,
Viṣṇu-purāṇa e outros mahā-purāṇas que
sustentam a tradição védica como um todo, também glorificam ekadaśī-upavāsa.
(1.8) No que se refere ao
jyotiṣa, o seguinte é dito sobre
aqueles que nascem no dia de ekadaśī:
“…reverenciará a devas e brāhmaṇas, terá muitos servos e será rico”.
– Jātaka pārījāta
“…seus desejo será ínfimo, será piedoso, rico, inteligente,
honrado pelo rei e abençoado com filhos”. - Mānsagari
“…um negociante astuto, inclinado as artes, correto e focado”.
- Yavana jātaka
oṁ tat sat
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