A média de tempo para que
o lagna mude de signo, no entanto, é de duas horas, ou seja, ele é 30x
mais rápido do que Chandra. Porém, mesmo uma faixa de duas horas é ampla, já
que nascem no mundo todo cerca de 150.000 pessoas por hora, todas elas com
destinos distintos. Pensar nisso pode soar desencorajador para um estudante de
astrologia, afinal, é como se estivéssemos sendo sempre parciais em nossas
interpretações, uma vez que milhares de pessoas podem partilhar de um mesmo
mapa, mas terem destinos muito distintos. Porém, em um signo nós temos inúmeras
divisões, os denominados vargas/aṁśas, os quais adicionam variações
diversas às disposições de um mesmo signo. Logo, embora milhares de pessoas
possam vir a nascer com o mesmo mapa, é improvável que tenham o lagna
situado nos mesmos vargas.
Só para terem uma
dimensão, essas são as divisões de tempo necessárias para o lagna mudar
de um varga a outro, considerando que o lagna leva 2h em média
para percorrer um signo:
1 drekkāṇa (10º00’) = 40 minutos
1 navāṁśa (3º20’) = 13,33 minutos
1 dvādaśāṁśa (2º30’) = 10 minutos
1 ṣaṣṭyāṁśa (0º30’) = 2 minutos
Aqui estou apenas
abordando as divisões de um signo em três, nove, doze e sessenta partes. Porém,
há muitas outras divisões, como as de dez, dezesseis, vinte, quarenta e até
mesmo de cento e cinquenta ou de trezentas partes. Tais divisões simbólicas foram
teorizadas pelos astrólogos do passado no intuito de aumentar o grau de
especificidade das análises. Logo, dois indivíduos com um mesmo lagna
poderiam ser diferenciados, considerando que esses lagnas estariam
situados no mesmo signo, mas em vargas diferentes.
Um indivíduo com o lagna em áries, mas no navāṁśa de touro, certamente terá uma disposição bem distinta de outro indivíduo que tem o lagna em áries, mas no navāṁśa de escorpião, isso para não falarmos das mudanças que ocorrem também nos outros vargas. Por exemplo, pode ser que o primeiro indivíduo citado tenha o seu lagna em um ṣaṣṭyāṁśa[1] presidido por uma divindade benevolente, enquanto o segundo o tenha situado em um ṣaṣṭyāṁśa de uma divindade cruel. Isso seria suficiente para mudar a disposição de cada um deles, mas não resolve o problema dos destinos distintos, já que concerne apenas o estudo das suas personalidades e corpos.
Há algumas técnicas, no
entanto, que teoricamente nos possibilitariam diferenciar dois indivíduos
nascidos com um intervalo estreito de tempo, como ocorre com os gêmeos. Essas
técnicas vão para além do mero uso descritivo das subdivisões do lagna. Nelas,
consideramos o seguinte:
Sobreposição do navāṁśa ou dvādaśāṁśa do
lagna sobre o mapa natal:
com isso seria possível usar lagnas alternativos para a interpretação do
mapa. Ou seja, se dois indivíduos tem o lagna em áries, mas nos navāṁśas
de touro e escorpião, respectivamente, poderíamos usar touro e escorpião,
respectivamente, como lagnas alternativos em seus mapas. O mesmo também
poderia ser feito com o dvādaśāṁśa, porém, é questionável se poderíamos
fazer isso com outros vargas, já que tal técnica de sobreposição (varga-tulya-rāśi)
só foi exemplificada na literatura clássica em relação ao navāṁśa e ao dvādaśāṁśa.
Aplicação de daśās distintas: essa é uma alternativa interessante. Ao
invés de usar apenas uma daśā para ambos os mapas, podemos usar daśās
distintas. Porém, essa alternativa é mais aleatória do que lógica, exceto no
que se refere ao uso da nāma-daśā, uma viṁśottarī-daśā calculada
com base na primeira sílaba do nome do indivíduo, ou seja, trata-se de uma daśā
verdadeiramente específica.
Utilização da kālachakra-daśā: como a kālachakra-daśā é altamente
sensível a pequenas mudanças de horário, usá-la em mapas de gêmeos ou de
pessoas que nasceram com pequenos intervalos de diferença é uma alternativa
inteligente e bastante racional, pois esses viverão no mínimo antardaśās
distintas.
Uso dos viśeṣa-langas: os viśeṣa-lagnas são certos ascendentes
especiais/virtuais, como o prāṇapāda, horā e ghaṭikā-lagna.
Como são mais sensíveis às mudanças de horário que o lagna natal, eles
também podem ser incorporados em uma análise visando a diferenciação de dois ou
mais indivíduos.
Embora eu já tenha
realizado alguns experimentos com essas técnicas, as aplicando aos mapas de
gêmeos, devo admitir que a tarefa é ingrata e, por vezes, soa mais como um
improviso do que como um recurso consistente. Porém, isso não é algo que me
desencoraja na prática astrológica, pois há um elemento de maior importância em
análises como essas: o fator tempo. Afinal, duas pessoas com um mesmo mapa, mas
que abordam um mesmo astrólogo em momentos distintos receberão interpretações distintas,
mesmo que tais recursos acima apresentados sejam ignorados. Isso se dá porque o
mero movimento do tempo é suficiente para evocar no astrólogo percepções
distintas sobre um mesmo mapa, isso para não falarmos também dos contextos
distintos apresentados ao astrólogo por essas duas pessoas, o que certamente
fundamentará de maneiras diferentes a sua análise.
Dada essa explicação,
fica evidente para nós que os astrólogos são e sempre serão limitados, mesmo a
nível técnico. Há uma contínua margem de imprecisão com que os astrólogos sempre
terão que lidar. Em relação a isso, além do treinamento técnico, todo astrólogo
deve procurar aguçar a sua própria intuição por meio de práticas contemplativas
(mantra-japa, dhyana etc.), conforme recomendado nos textos
clássicos de jyotiṣa. Afinal, só ter conhecimento técnico é insuficiente,
uma vez que mesmo esse conhecimento é limitado. A confiança na sincronicidade, ou nos poderes
superiores, e a aspiração em servir como um intermediário entre esses poderes e
aqueles que buscam os astrólogos é algo de fundamental importância para todo praticante
dessa arte, além de ser um pré-requisito básico para que esse reconheça humildemente
a sua dependência em relação a tais poderes - os quais são todos coordenados
pelo kāla, o aspecto externo de Bhagavān (Deus) e a fonte primordial das
interações dos três guṇas (sattva, rajas e tamas).
Nos Purāṇas, Nārada chega a dizer que mesmo um prāṇa (4 segundos), a mais sútil divisão do chamado mūrta-kāla (o tempo concreto), é capaz de modificar o destino. Considerando tudo o que já vimos até aqui, isso não é algo tão impressionante assim, afinal, uma mudança sempre desencadeia outra. Porém, é interessante notar como, embora tais divisões pequenas do tempo sejam suficientes para mudar o destino de um indivíduo e outro, nenhum astrólogo é capaz de interpretar simbolicamente essas ligeiras mudanças. O que dizer então de divisões ainda mais sutis de tempo (amūrta-kāla - o tempo abstrato ou virtual), como vinādī (24 s), vipala (0.4 s) etc.? Sem dúvida, qualquer movimento do tempo é capaz de alterar as disposições e destinos dos indivíduos, mas o astrólogo sempre irá dispor de uma capacidade muito limitada de compreensão em relação a isso tudo. Portanto, é importante que não só o astrólogo como também aqueles que o buscam tenham consciência clara dessas limitações inerentes tanto à prática astrológica quanto a aquele que a pratica.
Ainda que o destino seja,
de fato, fixo e possa ser expresso em linguagem astrológica, nenhum astrólogo é
capaz de decifrá-lo perfeitamente. Em relação a isso, a definição da astrologia
enquanto um “determinismo de tipos”, dada pelo astrólogo Benjamin Dykes, se
mostra perfeitamente precisa. Pois todo astrólogo pode no máximo definir as
coisas em termos de categorias gerais, como, por exemplo, afirmar que a
carreira de um dado indivíduo será influenciada pelo arquétipo de Guru
(Júpiter), ao invés de afirmar que o indivíduo será um professor de filosofia
oriental que trabalhará na USP – uma afirmação específica e suspeita demais
para advir de um reles astrólogo.
oṁ
tat sat
[1] Ao contrário do que muitos pensam
hoje em dia, o uso tradicional do ṣaṣṭyāṁśa ignorava a sua divisão em
signos e considerava apenas divindades de natureza benéfica e cruel.
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