sábado, 8 de janeiro de 2022

Os diferenciais do método indiano de análise de dignidades

Exceto pelo sábio Pulippani, a análise das dignidades dos grahas no jyotiṣa segue basicamente o mesmo modelo teórico entre os demais astrólogos clássicos. Esse modelo combina a noção das regências (svakṣetra) e exaltações (uccha) herdadas da astrologia helenística[1] com alguns elementos próprios do método de um indiano chamado Satyācharya, o qual antecede Varāhamihira (séc. V d.C.).

No caso, a ideia de Satyācharya envolve considerar adicionalmente os mūlatrikoṇas dos grahas, assim como as relações naturais (naisargika-sambandha) e temporais (tatkālika-sambandha) desses com seus regentes – o que nos permite derivar outras cinco dignidades intermediárias entre uccha/mūlatrikoṇa/svakṣetra (as melhores dignidades possíveis) e nīcha (a pior dignidade possível).

Em relação aos mūlatrikoṇas, eles são, em suma, frações mais privilegiadas de um signo de regência, como é o caso dos primeiros 20º de áries para Maṅgala (Marte), os primeiros 10º de libra para Śukra (Vênus) etc., considerando ainda uma exceção para Chandra (Lua), o qual tem a sua fração de mūlatrikoṇa em touro, ao invés de câncer.

Embora muitos astrólogos tenham tentado decifrar o significado do mūlatrikoṇa, até hoje eu não li nada que tenha me convencido a respeito do tema. O que sabemos por meio da literatura é que mūlatrikoṇa é uma dignidade superior a svakṣetra (domicílio)[2] e, exceto por Budha (Mercúrio) e Chandra, todos os demais grahas possuem seus mūlatrikoṇas em signos de regência masculina. Agora, quais são as razões para o mūlatrikoṇa ser superior, e o que “a raíz (mūla) do triângulo (trikoṇa)” significa é algo que nenhum autor clássico esclareceu. Também não sabemos se a doutrina dos mūlatrikoṇas se originou com Satyācharya, pois os astrólogos clássicos não deixam claro se ele apenas formulou a doutrina das relações naturais e temporais a partir da ideia dos mūlatrikoṇas, ou se foi ele mesmo quem idealizou todos esses conceitos. Mas mesmo sem ter essas respostas, vemos que os astrólogos clássicos seguiram fielmente essa doutrina, desde os tempos de Varāhamihira até hoje.

O interessante nesse método de análise das dignidades é que ele nos oferece uma “paleta de cores” que no método helenístico/medieval não encontramos. Por exemplo, na astrologia helenística/medieval, se um graha não está em seu signo de domicílio, exaltação ou queda (debilitação), então qualquer outro signo que ele ocupe o deixará na condição de peregrino. Mas no jyotiṣa, além da noção de domicílio, exaltação e queda, há também a ideia dos mūlatrikoṇas e das cinco dignidades intermediárias, que são: grande amizade (atimitra), amizade (mitra), neutralidade (sama), inimizade (śatru) e grande inimizade (atiśatru), ou seja, cinco tipos diferentes de dignidades[3] dentro daquilo que em outra metodologia é simplesmente denominado como “condição peregrina”.

Kalyāna Varma, um autor clássico do século X, por exemplo, chega a citar na sua Sārāvalī quais são os resultados individuais dos grahas em signos amigos e inimigos, assim como quais são os efeitos de se ter um ou mais grahas nessas dignidades intermediárias, o que nos permite ter uma ideia de quais são os resultados específicos implicados nessas condições. Se alguém possui três grahas em signos amigos, Kalyāna cita que tal indivíduo terá boas qualidades e será alguém notável. Cinco grahas nessa condição fazem do indivíduo um servo do rei, rico e um líder dentre os homens. Já se há três grahas em signos inimigos, então o indivíduo sofre com muitas despesas, é acometido por misérias e, ainda que trabalhe muito, está fadado a perder a sua riqueza. Claro que essas interpretações dadas por Kalyāna não são absolutas, mas elas nos dão uma ideia de como podemos lidar com essas dignidades intermediárias, o que por si só já é muito útil, pois nos permite descrever com mais especificidade as condições dos grahas que não estão situados nas dignidades principais (uccha, mūlatrikoṇa, svakṣetra e nīcha).

 

oṁ tat sat



[1] Em relação às exaltações, há algumas divergências entre os autores indianos e os autores helenísticos no que se refere aos graus de exaltação máxima de alguns grahas. Fora isso, todo o mais segue a mesma ideia.

[2] Parāśara chega a citar que o mūlatrikoṇa é ¼ mais forte que o svakṣetra. 

[3] Mantreśvara, embora tenha citado essas cinco dignidades intermediárias na sua Phaladīpikā (séc. XV d.C.), era afeito a usar apenas três delas – amigo, inimigo e neutro -, ou seja, ele ignorava a noção das relações temporais e considerava apenas a das relações naturais entre os grahas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário