No caso, a ideia de
Satyācharya envolve considerar adicionalmente os mūlatrikoṇas dos grahas,
assim como as relações naturais (naisargika-sambandha) e temporais (tatkālika-sambandha)
desses com seus regentes – o que nos permite derivar outras cinco dignidades intermediárias
entre uccha/mūlatrikoṇa/svakṣetra (as melhores dignidades possíveis)
e nīcha (a pior dignidade possível).
Em relação aos mūlatrikoṇas, eles são, em suma, frações mais privilegiadas de um signo de regência, como é o caso dos primeiros 20º de áries para Maṅgala (Marte), os primeiros 10º de libra para Śukra (Vênus) etc., considerando ainda uma exceção para Chandra (Lua), o qual tem a sua fração de mūlatrikoṇa em touro, ao invés de câncer.
Embora muitos astrólogos
tenham tentado decifrar o significado do mūlatrikoṇa, até hoje eu não li
nada que tenha me convencido a respeito do tema. O que sabemos por meio da
literatura é que mūlatrikoṇa é uma dignidade superior a svakṣetra (domicílio)[2] e, exceto por Budha (Mercúrio)
e Chandra, todos os demais grahas possuem seus mūlatrikoṇas em
signos de regência masculina. Agora, quais são as razões para o mūlatrikoṇa ser
superior, e o que “a raíz (mūla) do triângulo (trikoṇa)” significa
é algo que nenhum autor clássico esclareceu. Também não sabemos se a doutrina dos
mūlatrikoṇas se originou com Satyācharya, pois os astrólogos clássicos
não deixam claro se ele apenas formulou a doutrina das relações naturais e
temporais a partir da ideia dos mūlatrikoṇas, ou se foi ele mesmo quem idealizou
todos esses conceitos. Mas mesmo sem ter essas respostas, vemos que os
astrólogos clássicos seguiram fielmente essa doutrina, desde os tempos de Varāhamihira
até hoje.
O interessante nesse
método de análise das dignidades é que ele nos oferece uma “paleta de cores”
que no método helenístico/medieval não encontramos. Por exemplo, na astrologia
helenística/medieval, se um graha não está em seu signo de domicílio, exaltação
ou queda (debilitação), então qualquer outro signo que ele ocupe o deixará na
condição de peregrino. Mas no jyotiṣa, além da noção de domicílio,
exaltação e queda, há também a ideia dos mūlatrikoṇas e das cinco
dignidades intermediárias, que são: grande amizade (atimitra), amizade (mitra),
neutralidade (sama), inimizade (śatru) e grande inimizade (atiśatru),
ou seja, cinco tipos diferentes de dignidades[3] dentro daquilo que em
outra metodologia é simplesmente denominado como “condição peregrina”.
Kalyāna Varma, um autor clássico
do século X, por exemplo, chega a citar na sua Sārāvalī quais são os resultados
individuais dos grahas em signos amigos e inimigos, assim como quais são
os efeitos de se ter um ou mais grahas nessas dignidades
intermediárias, o que nos permite ter uma ideia de quais são os resultados específicos
implicados nessas condições. Se alguém possui três grahas em signos
amigos, Kalyāna cita que tal indivíduo terá boas qualidades e será alguém
notável. Cinco grahas nessa condição fazem do indivíduo um servo do rei,
rico e um líder dentre os homens. Já se há três grahas em signos
inimigos, então o indivíduo sofre com muitas despesas, é acometido por misérias
e, ainda que trabalhe muito, está fadado a perder a sua riqueza. Claro que
essas interpretações dadas por Kalyāna não são absolutas, mas elas nos dão uma
ideia de como podemos lidar com essas dignidades intermediárias, o que por si
só já é muito útil, pois nos permite descrever com mais especificidade as condições
dos grahas que não estão situados nas dignidades principais (uccha,
mūlatrikoṇa, svakṣetra e nīcha).
oṁ
tat sat
[1] Em relação às exaltações, há
algumas divergências entre os autores indianos e os autores helenísticos no que
se refere aos graus de exaltação máxima de alguns grahas. Fora isso,
todo o mais segue a mesma ideia.
[2] Parāśara chega a citar que o mūlatrikoṇa é ¼ mais forte que o svakṣetra.
[3] Mantreśvara, embora tenha citado
essas cinco dignidades intermediárias na sua Phaladīpikā (séc. XV d.C.), era
afeito a usar apenas três delas – amigo, inimigo e neutro -, ou seja, ele ignorava
a noção das relações temporais e considerava apenas a das relações naturais
entre os grahas.
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