sábado, 17 de agosto de 2019

Bādhaka-sthana e o bādhakeśa

Há um conceito no jyotiṣa que foi abordado apenas em alguns poucos textos e, ainda assim, geralmente de forma muito breve: o conceito do bādhaka-sthana e seu senhor, o bādhakeśa. Até onde sei, apenas o Jātaka pārījāta, Praśna mārga, Jātaka sāra saṅgraha e o Pullipani jothidam abordaram esse princípio. Além disso, encontramos também mencionado no BPHS moderno o conceito de bādhaka, mas ao que tudo indica, como parte de uma compilação de conceitos diversos, uma vez que o que é mencionado no BPHS é praticamente o mesmo que encontramos no Jātaka sara saṅgraha, o qual antecede a versão atual do BPHS.

Me parece que a teoria do bādhaka ou foi ignorada por muitos astrólogos ou teve sua origem pouco antes do século XV, uma vez que é somente em textos dessa época ou posterior a mesma que encontramos menções a seu respeito. Também não há qualquer indício de qual seria a escola de pensamento responsável por essa teoria, pois a encontramos tanto em textos de Parāśarī jyotiṣa como também no Jātaka sara saṅgraha da tradição de Jaimini jyotiṣa.

Determinando o bādhaka e seus efeitos
A regra básica para a determinação do bādhaka-sthana em um jātaka é a seguinte: para signos móveis (ar, cn, li e cp) o bādhaka-sthana é o décimo primeiro signo, para os fixos (to, le, es e aq) o nono e para os duais (ge, vi, sg e pe) o sétimo, enquanto o bādhakeśa é o senhor do bādhaka-sthana ou bādhaka-rāśi. Notavelmente, o bādhaka pula de três em três signos no sentido anti-horário, partindo dos signos móveis aos fixos e, por fim, aos duais. Já cheguei a ler algumas explicações a respeito do significado desse pulo, mas nenhuma delas me convenceu, sinceramente, pois há conceitos inúmeros no jyotiṣa que simplesmente não possuem uma explicação clara, e tudo bem! Isso não necessariamente nega a validade de tais conceitos, como a própria prática atesta.

Agora, quanto ao significado do bādhaka-sthana, as únicas pistas que temos quanto a isso são o próprio termo, bādhaka, e alguns poucos versos que falam dos resultados de diferentes configurações envolvendo o bādhaka. A começar pela palavra em si, bādhaka pode ter os seguintes significados: sitiante, encrenqueiro, perturbador, prejudicador, opositor, assediador, opressor, obstrutor, doloroso, ofensor ou anulador. Com isso podemos inferir que o bādhaka-sthana e o bādhakeśa são criadores de obstáculos, perturbações, opressão, oposição e dor.

No primeiro capítulo de seu Pullipani jothidam, o sábio Pulippani atribui resultados bem negativos ao bādhakeśa, tratando-o como o mais cruel dos grahas para cada um dos doze lagnas. Por sinal, ele considera especialmente negativa a ocupação do bādhakeśa em um ângulo do mapa, ao passo que em um koṇa (cinco ou nove) ele outorga bons resultados. Nas demais casas, que não os koṇas, Pulippani também considera a atuação do bādhakeśa como negativa.

Nakkirar S. Natarajan, o comentador do Pulippani jothidam, menciona que possivelmente Pulippani considerava o bādhakeśa em um koṇa como um fator de diminuição para todos os malefícios do jātaka, ao passo que em um ângulo ele apenas os intensificaria. Por exemplo, Pulippani atribui para cada um dos doze lagnas (asc.) perdas, misérias ou mesmo morte precoce quando o bādhakeśa ocupa um ângulo, enquanto que quando esse reside em um koṇa, a predição é de que o indivíduo alcançará riqueza, confortos, felicidades e gozará de saúde.

Sem dúvida alguma, as predições de Pulippani são de natureza generalista, pois na prática há muitas nuances capazes de modificar as indicações mesmo de um bādhakeśa mal colocado em um ângulo. A ideia, no entanto, é de que a colocação do bādhakeśa em uma casa angular lhe daria força, o que intensificaria os obstáculos e infelicidades, assim como ocorre com os krūra-grahas (maléficos) em ângulos, o que não é positivo, especialmente se, no caso do bādhakeśa, ele ainda sofre algum tipo de aflição adicional, como a de estar junto, sob olhar ou cercado por krūra-grahas, enfraquecido em termos de dignidade, etc. Em uma situação como essa, a sua daśā ou bhukti se provará notavelmente negativa e perturbadora. Nas palavras de Rāghavabhaṭṭa, o autor do Jātaka sāra saṅgraha, uma daśā[1] que ativa o bādhakeśa aflito por um krūra-graha ou mesmo a daśā de um krūra-graha no bādhaka-sthana sujeitam o indivíduo a sofrimentos, perdas e até mesmo ao confinamento/isolamento, especialmente quando Rāhu é que ocupa o bādhaka-sthana. Essa mesma menção encontramos também no Bṛhat Parāśara horā, dentro do capítulo que trata da chara-daśā.

Outro autor que nos alerta sobre os malefícios do bādhaka/bādhakeśa é Vaidyanātha[2], porém, com um pouco mais de especificidade. Para ele, a daśā do bādhakeśa passa a ser problemática especialmente quando ele é o dispositor de Gulika ou do drekkāṇa da cúspide da casa oito[3]. Não só, mesmo que não seja o bādhakeśa o graha relacionado a um desses dois pontos, qualquer outro graha que o seja e que esteja ocupando o bādhaka-sthana será capaz de manifestar os mesmos resultados.

Não é de se admirar que o bādhaka/bādhakeśa esteja relacionado a tantos efeitos adversos, uma vez que o próprio termo “bādhaka” já carrega consigo conotações negativas. Inclusive, eu nunca tinha lido nada de positivo a respeito desse conceito até ter tido a oportunidade de estudar o Jātaka sāra saṅgraha, onde Rāghavabhaṭṭa menciona algo que não encontramos nos ślokas do BPHS, embora esses sejam praticamente idênticos aos do Jātaka sāra saṅgraha. No caso, a “novidade” que Rāghavabhaṭṭa menciona é que se o bādhaka-sthana estiver ocupado por um graha exaltado, domiciliado ou que está amparado por saumya-grahas (benéficos), sua daśā será excelente e o indivíduo gozará de ganhos, confortos e felicidades. Esses mesmos resultados se aplicam a daśā do bādhakeśa quando esse se encontra em uma dessas mesmas condições. De fato, minha prática corrobora essa afirmação, a qual prova que o bādhaka/bādhakeśa não manifestará resultados significativamente negativos a menos que esteja envolvido em outras configurações negativas, como as que foram pontuadas por Vaidyanātha, Rāghavabhaṭṭa e Harihara, o autor do Praśna mārga.

A propósito, no Praśna mārga, um tratado de praśna muito famoso e que vem do sul da Índia, Harihara aborda diferentes configurações envolvendo o bādhaka e que estariam relacionadas a fenômenos sobrenaturais como ataques de espíritos, perturbações causadas pela ira dos devas, magia negra (abichara), etc. B. V. Raman, em seu comentário ao Praśna mārga, diz inclusive que o bādhakeśa também teria relação com doenças de difícil diagnóstico, cuja origem geralmente está no karma passado do indivíduo e em débitos ancestrais. Isso é corroborado pela minha prática pessoal e, para que fique claro como funciona o bādhaka/bādhakeśa, abaixo descrevo quatro casos que o envolvem.


O mapa acima pertence a uma pessoa que entre 1993 e 2010 viveu a mahādaśā de Budha (Mer), o bādhakeśa de seu mapa, que é também dispositor de Rāhu e se encontra conjunto a Sūrya (Sol), o senhor de seis, ambos a ocuparem a seis. Uma vez que Śani (Sat) e Chandra (Lua) mantém orbes muito extensas em relação a de Budha, seus olhares não são tão eficazes nesse caso.

Durante esse período, essa mulher se uniu a um estrangeiro, teve um filho com ele, mas acabou se separando do mesmo e passando por uma série de aflições ao longo de tal mahādaśā, tendo de se mudar inúmeras vezes de cidade e enfrentando muitas privações. Aqui vemos que Budha está negativamente configurado na seis, além de ser o dispositor de Rāhu, outro elemento que contribuiu para as muitas dificuldades que ela vivenciou em tal fase. O fato de Budha ser ainda um māraka para aqueles cujo lagna é um signo dual também contribui para que os períodos do bādhakeśa ou de um graha situado no bādhaka-sthana sejam mais difíceis, trazendo dificuldades mais acentuadas no âmbito afetivo e também no que tange a saúde, desde que, é claro, hajam aflições adicionais sobre o bādhaka-sthana e/ou o bādhakeśa.


Este segundo caso é de um indivíduo que entre 1986 e 2002 viveu a mahādaśā de Guru (Júp). Embora Guru não seja o seu bādhakeśa, ele é o dispositor do mesmo, além de estar conjunto a ele (Śukra - Vênus). Notavelmente, neste caso o bādhakeśa está conjunto a um māraka (Guru) e ainda sob a influência de dois krūra-grahas, Śani e Maṅgala (Mar), sendo Śani o khāra (senhor do 22º drekkāṇa – cúspide da oito), enquanto Maṅgala é o dispositor de Gulikā, que para piorar a situação ainda está retrógrado, intensificando assim os seus males.

No período assinalado, o indivíduo teve dois filhos, se converteu para o adventismo, teve um desenvolvimento econômico e material muito significativo, mas a partir da segunda metade do período uma série de dificuldades se manifestaram. O indivíduo traiu sua esposa, teve sérios problemas com sua filha mais velha, faliu, perdeu a mãe e desenvolveu uma doença rara: fogo selvagem.

O interessante é notar que, embora o senhor da nove, um koṇa, seja geralmente auspicioso, para indivíduos cujo lagna é um signo fixo esse pode se tornar também uma fonte de grandes perturbações se aflito, como ocorre no caso desse indivíduo. Ainda que ele tenha obtido muita riqueza e prosperidade no início do período, tenha se voltado para a religiosidade, etc., tudo desabou no segundo período, em função de sua ganância desmedida, que o corrompeu e o fez experimentar uma série de eventos desagradáveis.


Esse é o mapa da filha do homem do mapa anterior, que lhe deu muita dor de cabeça por conta de ter se envolvido em uma relação afetiva doentia. Aqui, além das aflições a sete e ao seu regente, Budha e Śukra ocupam o bādhaka-sthana, em leão, sob olhar de Guru. Budha nesse caso é o senhor do 22º drekkāṇa, enquanto Śukra é o senhor da oito, logo isso explica porque em sua adolescência, um período naturalmente relacionado a Śukra, ela fugiu de casa para se envolver em uma relação extremamente abusiva e que lhe deixou como mãe solteira, sem gozar de nenhum suporte por parte de seu ex-parceiro. Como Sūrya é o senhor do bādhaka-sthana e reside na dez sob olhar de Śani, a mesma ainda teve de enfrentar a ira de seu pai, que sempre foi severo e, depois desse evento, tornou-se ainda mais áspero com ela.

A daśā que ela viveu à época de tais eventos foi a de Śani, o qual nesse caso não tem relação alguma com o bādhaka, exceto pela posição de seu dispositor no mesmo, o que tem menor importância. Porém, desde novembro de 2006 ela vem vivendo a daśā de Budha, o qual ocupa o bādhaka-sthana, mas como esse está sob relativa boa influência e a formar um rāja yoga, embora ela tenha enfrentado mais dificuldades em um outro relacionamento, que findou nesse mesmo período, ela acabou também conseguindo concluir uma faculdade. Não só, ainda obteve excelentes oportunidades de trabalho e uma dessas a levou a mudar de cidade, incluindo uma série de privilégios, como facilidades em relação a moradia e estudo. Por outro lado, nessa mesma fase ela passou a viver distante de sua família (confinamento!) e desenvolveu depressão, com a qual tem lutado ao longo de todo o período.

No seu caso, o bādhaka-sthana reside na onze, das amizades, grupos e ambições, enquanto o bādhakeśa está na dez. Esse arranjo também lhe trouxe dificuldades com colegas de trabalho e nas relações com seus superiores, o que ela experimentou especialmente dentro desse período de Budha, o qual ainda está por se encerrar.


Agora, para encerrar, temos o mapa acima, de uma mulher que conta com Ketu no bādhaka-sthana, enquanto seu senhor, Budha, reside na doze em escorpião, cercado por krūra-grahas. No Praśna mārga é dito que se o bādhakeśa ocupa a doze, então isso pode aliviar seus males, porém nesse mesmo texto se afirma que se a doze do bādhakeśa estiver aflita, então a divindade representada pelo bādhakeśa se mostrará irada com o indivíduo, em virtude de alguma ofensa cometida a mesma em vida anterior.

No caso, entre 09.2009 e 07.2012 essa pessoa viveu a daśā de Śukra-Budha, ativando o bādhakeśa. Nessa fase ela veio a se envolver afetivamente com uma pessoa que morava distante dela, porém a relação acabou rompendo, em parte por conta de traições que ela sofreu durante esse período, as quais ela quis revidar, traindo duas vezes o seu parceiro. Nesse mesmo período ela ainda se envolveu com uma outra pessoa, que além de a trair, também a esnobou, deixando-a profundamente traumatizada. Depois disso ela acabou decidindo por não se casar nem ter filhos, mas apenas viver relações sem compromisso, o que por vezes a angustia, visto que se sente suja pela forma como procede.

Como Budha é o bādhakeśa nesse caso, pode ser que a causa de seu sofrimento afetivo seja alguma ofensa cometida a Viṣṇu ou algum vaiṣṇava em vida passada, pois Budha tem relação com esses, de acordo com Harihara e outros astrólogos clássicos.

Conclusão
A partir dos exemplos acima citados notamos que, em geral a pessoa experimentará as dificuldades relacionadas ao bādhaka/bādhakeśa nos períodos que ativam o mesmo, especialmente quando há aflições adicionais. Porém, não se deve também pensar que o bādhaka-sthana ou o bādhakeśa não podem outorgar bons resultados, pois eles podem, desde que estejam fortes e sob boas influências. Em tal situação positiva, embora ainda assim algum malefício seja sentido, esse não será tão severo e perturbador quanto em situações onde o bādhaka/bādhakeśa se encontra em condições precárias ou relacionado a pontos negativos do mapa, como Gulika e o 22º drekkāṇa.

Em suma, pode-se dizer que o bādhaka/bādhakeśa é um ponto sensível do mapa e que pode se tornar fonte de angústias, obstáculos e outros problemas. Não saberia dizer, no entanto, se esse seria o ponto mais maléfico do mapa, como ressalta Pulippani. Talvez seu potencial seja mesmo o de atuar como o elemento mais maléfico de um mapa, mas não de maneira isolada, pois pelo que entendi, ainda que o bādhaka/bādhakeśa mantenha certas características negativas básicas, ele acaba atuando como um intensificador de males, daí possivelmente de ter sido definido por Pulippani como o mais cruel dos grahas.

O Praśna mārga recomenda certos upāyas para lidar com as diferentes configurações negativas envolvendo o bādhaka/bādhakeśa, porém, são coisas que só podem ser apropriadamente recomendadas por um astrólogo, especialmente porque muitas dessas medidas dizem respeito ao contexto cultural do sul da Índia e, portanto, dependem das adaptações próprias de deśa (contexto cultura), kāla (contexto histórico) e pātra (especificidades individuais ou circunstância).

oṁ tat sat



[1] Ele menciona o conceito do bādhaka dentro do contexto da kāraka-daśā, porém, o mesmo pode ser aplicado a qualquer daśā, tanto é que Parāśara o menciona no contexto da chara-daśā, enquanto Vaidyanātha o usava tanto a partir da viṁśottari quanto também da kalachakra-daśā.
[2] Jātaka pārījāta, 2.48
[3] O nome do regente desse drekkāṇa, que é o 22º drekkāṇa a partir do lagna, é khāra.

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