terça-feira, 19 de outubro de 2021

Entrevista sobre Jaimini jyotiṣa com Shanmukha Teli

Após algum tempo, finalmente recebi do Shanmukha, meu jyotiṣa-guru em Jaimini, uma entrevista escrita sobre esse método. Leia ela abaixo, pois ninguém melhor que Shanmukha, um aluno direto de Irangati Rangacharya (um erudito em Jaimini jyotiṣa), para nos esclarecer em que consiste esse método astrológico.

Q. Shanmukha, é um grande prazer ter você apresentando a tradição de Jaimini ao público brasileiro. Será que você poderia começar falando algo a seu respeito?

R: Meu nome é Shanmukha Teli. Vivo em Hyderabad, na Índia. Trabalho como engenheiro eletrônico em uma organização governamental bem reputada. O jyotiṣa é a minha paixão e a maior parte do que aprendi a respeito foi como autodidata. Sempre fui fascinado, especificamente, por Jaimini jyotiṣa e seus diferentes métodos de divinação, que são muitas vezes bem distintos de outros métodos clássicos. Inclusive, eu pertenço a região da Índia na qual acredita-se que o Jaimini jyotiṣa tenha florescido e sido praticado de forma mais predominante. Em minha busca pela verdadeira tradição de Jaimini, eu visitei muitas bibliotecas de manuscritos na região sul da Índia. Nessas bibliotecas há alguns manuscritos raros de Jaimini, escritos em caligrafia grantha. Na minha opinião, esses manuscritos são certamente importantes, pois trazem esclarecimento sobre o método Jaimini e de uma forma distinta da literatura até então publicada. Portanto, eu me dediquei a aprender a caligrafia grantha, o que me habilitou a ler e compreender esses manuscritos. Mas essa jornada de aprendizado é continua, e eu sinto que sou um estudante sincero e dedicado dessa tradição de jyotiṣa.

Q. Quem foi o seu jyotiṣa-guru em Jaimini jyotiṣa. Por quanto tempo você interagiu com ele e o que aprendeu?

R: Embora a maior parte do meu estudo tenha sido autodidata, eu aprendi o sistema Jaimini a partir dos livros de Sri Irangati Rangacharya, que é considerado uma autoridade nesse ramo. Tive a oportunidade de estudar diretamente com ele por um período de dois anos. Durante essa interação, muitas das minhas dúvidas sobre esse sistema de jyotiṣa foram removidas.

Q. O que é exatamente o Jaimini jyotiṣa? No que ele difere de outros métodos, tal como Parāśara? É correto misturar ou considerar que esses dois métodos (Jaimini e Parāśara) são um só? 

R: Jaimini jyotiṣa não precisa ser considerado diferente do sistema de Parāśara. Certamente há alguns parâmetros distintos entre ambos os métodos, no entanto, os conceitos fundamentais tais como significado dos signos, planetas e casas são os mesmos. Só que, enquanto em Jaimini os pontos de referência para análise são muitos, em Parāśara eles são geralmente o ascendente e a Lua. 

O sábio Jaimini introduziu muitos conceitos novos, tais como aspectos por signo (rāśi-dṛṣṭi), chara-kārakas, kārakāṁśa, ārūḍha, daśās baseadas nos signos (rāśi-dāśas) etc., porém, ele mesmo encoraja os estudantes a consultarem outros textos para entenderem aquilo que ele não abordou em seu Upadeśa sūtra. Infelizmente, o BPHS disponível hoje em dia contém o sistema Jaimini versificado[1], mas que na minha humilde opinião, foi uma tentativa dos compiladores do BPHS de incluírem em um único livro todo o conhecimento de jyotiṣa disponível. Isso fez com que a última geração de eruditos passasse a acreditar que o sábio Parāśara é quem originou o sistema Jaimini, o qual o sábio Jaimini apenas tratou de expandir. Mas acontece que exceto pelo Uttara kalāmṛta, nenhum outro texto clássico do sistema Parāśara faz uso dos conceitos de Jaimini. 

De acordo com uma tradição prevalecente na região sul da Índia, o gênese do sistema Jaimini é o seguinte: 

Senhor Śiva → Deusa Pārvatī → Senhor Skanda → Sábio Garga → Sábio Jaimini 

A ordem acima parece razoável, visto que o sábio Garga foi o autor de muitos versos do Vṛddha kārikā[2]. Esse pensamento presente na tradição contraria a tão acreditada noção de que o autor desse sistema, o sábio Jaimini, teria sido um discípulo de Veda Vyāsa (o filho de Parāśara).  

A mistura desses dois sistemas (Parāśara e Jaimini) tem sido praticada na região da Índia que abrange o litoral leste, mas claro, com muita cautela e consciência. Por exemplo, alguns comentadores antigos do sistema Jaimini favorecem mais Parāśara do que Jaimini no que tange determinar o māraka (significador da morte) dos pais. Hoje em dia, no entanto, uma mistura descuidada de Jaimini e Parāśara está em ascendência nos fóruns da Internet. 

Q. Alguém pode vir a aprender o Jaimini jyotiṣa apenas por meio do Upadeśa sūtra, considerando que os seus sūtras (aforismos) são tão enigmáticos? Que recursos são necessários para que alguém possa realmente compreender seu significado? 

R: Temo não ser fácil compreender o sistema Jaimini apenas lendo a literatura contemporânea disponível sobre o assunto, pelo simples fato de que seus sūtras são muito concisos e enigmáticos. Muitos conceitos importantes estão ocultos nos manuscritos, alguns deles até mesmo perdidos. Muitos dos comentários contemporâneos que foram publicados baseiam-se no BPHS para explicar Jaimini, e seus autores creem que a opinião do BPHS é conclusiva. Esse pensamento está grosseiramente incorreto e impede o progresso rumo aos tesouros escondidos nos manuscritos clássicos. 

Na minha opinião, além de uma sólida compreensão dos significados dos signos, casas e planetas, a compreensão do sistema Jaimini depende também de se ter conhecimento do sânscrito. 

Q. Quais são as referências principais na tradição Jaimini e o que elas basicamente apresentam que as tornam tão importantes para o aprendizado de Jaimini jyotiṣa? 

R: Há mais de duas dezenas de referências que eu tive a boa fortuna de verificar. No entanto, a minha opinião é de que as referências manuscritas mais importantes do sistema Jaimini são: 

Jaimini Sūtras

Vṛddha Kārikā, o mais antigo comentário a Jaimini. Ele foi escrito em formato de versos e é frequentemente citado por vários comentadores.

Subhodhinī Vyakhaya de Nīlakaṇṭha, devido às suas explicações claras de como se deve interpretar os sūtras de Jaimini.

Vañchanīdhiyam de Vañchanātha, por ser simples e o mais lúcido no que se refere ao aspecto preditivo de Jaimini

Jātaka Sāra Saṅgraha de Rāghava Bhāṭṭa, que contém uma explicação muito clara sobre a parte de āyurdāya (longevidade) e muitas daśās baseadas em signos.

Kalpalatā de Somanātha Miśra, um comentário muito complexo, uma noz dura de quebrar.

Phala Ratnamala de Kṛṣṇa Miśra, o magnum opus de Jaimini jyotiṣa e que conta com muitos improvisos em relação a esse método. 

Q. Qual técnica em Jaimini tem uma importância maior na determinação do potencial de um mapa? 

R: O sábio Jaimini frisou a importância de analisar um mapa a partir de múltiplos pontos de referência. Ele defende que, de acordo com o aspecto específico da carta temos que usar um ponto de referência em particular. Por exemplo, argala é utilizado para a análise de rāja yoga, o ārūḍha lagna é para rāja yoga e prosperidade, o upapāda se destina ao estudo da vida familiar, o kārakāṁśa é usado para determinar a profissão e as habilidade inatas, as āyurdaśās são investigadas para determinar a longevidade e, assim por diante. 

Q. O que é argala e como essa técnica deve ser utilizada?

R: Argala é um tema chave introduzido pelo sábio Jaimini. A principal aplicação do argala é para determinar a força do aspecto lançado por um graha a partir de um signo e o papel desse em elevar o mapa do comum ao extraordinário. Não me é possível explicar elaboradamente o assunto neste texto curto, mas uma descrição breve segue abaixo: 

No sistema Jaimini, o aspecto do regente do signo ocupado pela Lua, do regente do ascendente, do chara ātmākāraka e do Sol sobre o janma lagna (ascendente), horā lagna e/ou ghaṭikā lagna aumentam muito o potencial do mapa. Planetas que ocupam a dois, onze e quatro a partir do planeta acima citado (que lança o seu olhar a tais ascendentes) formam argala. Quando os argalas não sofrem obstruções, isso torna o mapa potencialmente poderoso. 

Q. O que é o ārūḍha lagna e qual é a sua utilidade?

R: O ārūḍha lagna é outro parâmetro importante que o sábio Jaimni descreveu elaboradamente no terceiro quarto do primeiro capítulo de seu Upadeśa sūtra. Ele é calculado por contar quantos signos o senhor do ascendente dista do ascendente. 

O papel principal do AL é ajudar a determinar os yogas para riqueza e, em algum grau, rāja yoga. 

Q. Chara-kārakas são frequentemente citados hoje em dia quando as pessoas falam sobre Jaimini. Mas o que os clássicos dizem a respeito do assunto? Eles os enfatizaram ou não? 

R: Misteriosamente, muitos clássicos em Jaimini não falam muito sobre os chara kārakas. O uso deles se tornou tão famoso hoje em dia pelo simples fato de serem tão escassas as informações sobre o sistema Jaimini. Como eu já citei anteriormente, essa tradição foi perdida nos manuscritos. O uso do chara ātmakāraka (AK) foi pontuado nos clássicos, sendo que ele se iguala em todos os aspectos ao regente do ascendente. Na tradição, está dito que o ātmakāraka (AK), amatyakāraka (AmK) e o darākāraka (DK) são planetas importantes em um horóscopo. 

Q. O que é o svāṁśa-lagna, também conhecido como kārakāṁśa? Alguns astrólogos os consideram como sendo coisas diferentes entre si. O que você pensa sobre isso? 

R: No meu estudo, eu vim a compreender que o aṁśa (divisão) ocupado pelo AK transposto ao rāśi (mapa natal) é o kārakāṁśa/svāṁśa lagna. Os clássicos não parecem favorecer o uso de mapas divisionais. Mas em contraste a isso, alguns comentadores antigos favoreceram a criação de alguns mapas simbólicos baseados na divisão ocupada pelo ātmakāraka, porém, como o manuscrito disponível que trata disso[3] está distorcido e incompleto, eu prefiro guardar a minha opinião sobre o uso desses mapas simbólicos. 

Q. Quantas daśās existem em Jaimini? Você poderia descreve-las resumidamente? 

R: Há muitas variedades de daśās em Jaimini, mais de 60. O ideal é que se use ao menos algumas delas antes de se declarar qualquer resultado. 

As suas classificações gerais seriam as seguintes:

1. Daśās baseadas em signos.

2. Daśās baseadas em planetas.

3. Daśās baseadas nos aṁśas (divisões). 

Também há uma outra classificação:

1. Āyur daśās, ou daśās que tratam da longevidade.

2. Phalita daśās, as quais são usadas para fins preditivos. 

Na minha experiência pessoal, para horóscopos de pessoas comuns, deve-se utilizar uma āyur daśā como a śūla ou sthira daśā e uma daśā preditiva como a chara, kāraka ou trikoṇa daśā. 

O que distingue o sistema Jaimini é a sua possibilidade de nos levar a uma síntese de muitas metodologias complexas enquanto delineamos um mapa. Por exemplo, a ātmā kāraka daśā envolve várias referências, como o AK (ātmakāraka), o lagna (signo) e também a progressão anual (varṣācharya). 

Q: Quantos viśeṣa-lagnas (ascendentes especiais) existem em Jaimini? Você poderia descreve-los resumidamente? 

R: O sábio Jaimini introduziu ao jyotiṣa alguns lagnas especiais como horā lagna, ghaṭikā lagna, drekkāṇa lagna, aṁśaka lagna e o tāra lagna. 

Os lagnas padrões tem a seguinte utilidade: 

1. Horā lagna - Longevidade

2. GhaṭikāRāja yoga

3. Tāra lagna - Prosperidade

4. Drekkāṇa lagnaRāja yoga 

Eruditos posteriores, tal como Kṛṣṇa Miśra em seu Phala Ratnamala, veio a oferecer muitos outros lagnas matemáticos como divya, tripravana e śrī lagna. Meu Guru, Sri Irangati Rangacharya, frequentemente me dizia que há 18 lagnas especiais em Jaimini. Todos esses lagnas, quando gozam de argalas benéficos, elevam o potencial do mapa. 

Q. Há algo como mapas divisionais descritos nos clássicos de Jaimini? 

R: Na minha opinião, mapas divisionais não são descritos. 

Q. Você poderia falar algo sobre Vemuri Ramamurthy? Ele é um astrólogo lendário do ramo de Jaimini jyotiṣa. Por favor, conte algumas histórias sobre ele e também algo sobre como era o seu approach em Jaimini. 

R: Sim, Vemuri Ramamurthy foi um astrólogo lendário do método Jaimini. Ele é o melhor do último século. Meu Guru, Sri Rangacharya, frequentemente citava que a história produz apenas um grande erudito por século. O do século passado foi Vemuri. 

Ele foi treinado à maneira tradicional própria de sua época, sem ter recebido uma educação formal em inglês. Acredita-se que ele tenha memorizado toda a literatura disponível do sistema Jaimini (cerca de 40 comentários em sânscrito). O único astrólogo conhecido do último século que usou apenas o sistema Jaimini para realizar suas predições foi Vemuri. 

Um infortúnio é que ele não deixou nenhum aluno, pois considerava que o sistema Jaimini é tão divino e potente que não há um estudante digno para aprendê-lo nesta Kali yuga. Se ele veio a ensinar esse método a alguém, foi talvez a uma ou duas pessoas. 

Uma lenda a seu respeito é de que certa vez um erudito foi até ele desejoso de aprender o sistema Jaimini. Vamos chama-lo de sr. MKS. Ao observar os talentos do sr. MKS, presentes em seu horóscopo, Vemuri recusou ensiná-lo, pois considerou que ele não conseguiria dominar o sistema Jaimini. Sentindo-se humilhado, o sr. MKS começou a estudar o sistema Jaimini por conta própria, coletando toda a literatura disponível. Como resultado de tais esforços, o sr. MKS ainda assim não conseguiu se tornar perito como Vemui, mas muitos estudantes como nós puderam se beneficiar dos diversos clássicos raros que ele coletou e preservou, clássicos esses que não estavam disponíveis para o público. Por exemplo, a Kalpalatā, um comentário complexo a respeito do sistema Jaimini, não teria visto a luz do dia e estaria condenado às pragas e ácaros não fossem os esforços do sr. MKS em resgatar esse livro. Claro, ele tinha um conhecimento significativo de Jaimini, mas não foi capaz de praticá-lo como Vemuri. 

Eu tive a boa fortuna de verificar alguns dos horóscopos escritos à mão por Vemuri. Ele usava principalmente uma daśā preditiva chamada pada nathāṁśa daśā, a qual ele dominou. Essa daśā foi mencionada no Phalaratnamala, mas ele improvisou sobre ela de tal forma que a usava a todo momento, mesmo tendo conhecimento de mais de uma dezena de daśās. 

Vemuri ainda usava muitos lagnas especiais, e os cálculos desses ascendentes é algo que até agora não consegui descobrir como funcionam. Seu método de calcular os chara kārakas também era revolucionário, mas não vou explicá-lo aqui, pois não quero confundir os leitores. 

Q. Eu estou muito feliz de tê-lo aqui respondendo essas questões, prabhu (mestre). O considero meu guru em Jaimini jyotiṣa, pois embora você mesmo tenha as suas dúvidas (como todos, quando se trata de Jaimini), você jamais distorce esse conhecimento e a sua educação nos textos clássicos desse ramo é muito vasta. Aprendi muito com você. Temos mantido contato desde 2015 e considero isso uma bênção, pois antes de conhece-lo, eu estava complemente perdido em termos de referências em Jaimini. Você poderia, por favor, dar alguns conselhos e alertas aos interessados em aprender Jaimini jyotiṣa? 

R: O agradeço por suas palavras gentis. No momento não estou podendo devotar muito tempo aos meus estudos de jyotiṣa, devido às minhas ocupações profissionais. Mas o meu mantra em Jaimini jyotiṣa é: 

Aprenda, desaprenda e reaprenda 

Aprenda os fundamentos básicos do jyotiṣa por meio de textos como Bṛhat jātaka, memorizando ao menos o seu primeiro capítulo. 

Desaprenda os conceitos misturados propagados na internet e mantenha a mente aberta para aceitar que quem veio a formular esse método pode ser sido o próprio sábio Jaimini. Ou seja, ele não teria codificado o BPHS em sūtras, como alguns propagam. 

Reaprenda com uma mente aberta o sistema Jaimini a partir dos seus fundamentos, ou seja: aspectos por signo, os argalas, lagnas especiais e daśās de signos.

 

Sarve Janah Sukhino Bhavantu

Om Tat Sat



[1] O Upadeśa sūtra de Jaimini, na verdade foi composto na forma de sūtras – aforismos -, não de ślokas – versos.

[2] Uma referência muito importante para o aprendizado do método Jaimini e que é citada em vários textos clássicos dessa linha de jyotiṣa.

[3] Jyotiḥ pradīpikā, de Lakṣmaṇa Sūri. Porém, o que ele apresenta em nada se assemelha aos hoje denominados mapas divisionais.

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