Muitas
pessoas acabam entrando em contato com a astrologia por meio dos horóscopos de
jornais, revistas e sites, os quais se baseiam no signo solar, geralmente
tropical, para realizar certas predições diárias, semanais, quinzenais ou mesmo
mensais. Naturalmente, por uma questão de praticidade, tais predições se
confinam ao signo solar e, portanto, dividem toda a humanidade, com seus
aproximadamente oito bilhões de seres humanos, em apenas doze padrões
astrológicos.
Essa
prática teve origem em meados de 1920, por influência de Alan Leo, que sendo um
dos primeiros astrólogos designados modernos e um perito homem de negócios, com
escritórios em Londres, Paris, Nova Iorque e uma equipe de cerca de doze
pessoas, começou a produzir milhares de horóscopos ao ano, todos baseados em um
único e simples fator acessível a todos: o signo solar (tropical).
Definitivamente, essa foi uma jogada de marketing brilhante, isso é inegável,
pois com isso Alan Leo conseguiu engordar seu bolso e massificar o interesse
pela astrologia, que antes era um assunto complexo e geralmente limitado a
classe intelectual ou mais abastada. Graças a sua “contribuição”, agora toda e
qualquer pessoa, sabendo sua data de nascimento, pode consultar seu horóscopo
diário, semanal, etc., não sendo necessário saber qual é o seu ascendente,
posição lunar e muito menos as posições dos outros grahas, as relações entre eles, suas dignidades e tantas outras
informações “enfadonhas”.
Agora,
pensem comigo: faz sentido dividir toda a humanidade, com seus aproximadamente oito
bilhões de seres humanos, em apenas doze padrões astrológicos? Não, isso não
faz qualquer sentido. É completamente absurdo e, portanto, não passa de uma
jogada de marketing ou de puro entretenimento. Não há diferença alguma entre
essa abordagem e os anúncios de internet como: “aprenda a tocar qualquer
instrumento em uma semana!”, ou “alcance o sucesso seguindo apenas três passos!”.
Ainda assim, muitos não percebem isso ou quando percebem, já logo assumem que
astrologia é apenas mais uma forma de charlatanismo.
Para
piorar a situação, hoje em dia os horóscopos solares evoluíram, tornando-se
mais sofisticados – graças as facilidades da internet e do mundo moderno -, mas
não menos fajutos. As pessoas agora não se limitam necessariamente aos
trânsitos a partir do Sol e elas ainda usam de belas imagens, enfeitam o que escrevem
com figuras de linguagem, impulsionam suas páginas e publicações e, assim encantam
seus leitores, seja pelo conteúdo sedutor seja pelo seu grande número de
seguidores, pois há quem pense que quantidade e qualidade são a mesma coisa.
Bem, eu não sou contra o uso dessas ferramentas, especificamente, e a
minha intenção não é desqualificar essas atividades, pois o que estou apontando aqui é na verdade a falta de substância por trás de quem usa todos esses recursos, no intuito de mascarar sua própria incapacidade, enquanto astrólogo. A partir do momento que
alguém se diz astrólogo só porque escreve belas poesias e atrai um público
maior de pessoas por meio de jogadas de marketing, isso não é mais astrologia,
mas sim entretenimento, business, ou pior: atividade mercenária. Astrologia
é outra coisa, bem mais complexa e muitíssimo mais nobre. Inclusive, de acordo com os
próprios astrólogos do passado, apenas um brāhmaṇa
pode ser um astrólogo de verdade, sendo que brāhmaṇas
não comprometem seu idealismo por ganhos, popularidade ou o que quer que seja,
como tendem a fazer os vaiśyas (comerciantes)
ou śūdras (indivíduos de quarta
classe). Brāhmaṇas sempre falam a
verdade e se preocupam com a educação dos demais, mesmo que isso lhes traga
algum prejuízo, seja ligado à sua imagem pública, a sua situação econômica, etc.
Dessa
forma, é fundamental entendermos que alguém que escreve belas poesias usando do
céu do momento como referência não é necessariamente um astrólogo. Pode sim ser
um poeta que flerta com a astrologia, pode até ser muito carismático e ter muitas outras qualidades, mas
definitivamente, isso não qualifica ninguém como astrólogo. O que qualifica alguém
como astrólogo é a capacidade não só de delinear um mapa, ou seja, de
interpretá-lo, como também a capacidade de prever eventos (especialmente
concretos) com algum grau de precisão. Até mesmo no Kṛṣṇīyam, do astrólogo Śrī Kṛṣṇācharya[1], é afirmado que, por
definição, astrólogo é quem prevê. Ele até mesmo usa da palavra ādeśa, que significa “ordem”, para
expressar que um astrólogo deve
prever e que a essência da prática astrológica é essa: como prever os resultados
das ações de um indivíduo.
Mas
hoje, por influência da modernidade e em particular das vertentes astrológicas modernas
como a vertente humanista, psicológica, etc. (as quais tem seus méritos, mas
também deméritos), os astrólogos tendem a evitar as predições, especialmente no
ocidente. Porque? Minha conclusão sobre isso é de que a razão maior desse tipo
de comportamento é a crassa subjetividade em que tais astrólogos se veem
inseridos. Cada um pensa de uma forma, afirma uma coisa, sente de um jeito,
enfim, ser vago passou a ser mérito, soa como originalidade ou flexibilidade, enquanto
ser objetivo e colocar os pingos nos is é brutalidade, dogma, negatividade ou
qualquer outra coisa pejorativa. Assim, é melhor seguir poetizando a vida e
imaginando um monte de coisas sem definição muito clara do que tentar definir
algo. Na linguagem do yoga, inclusive,
há um nome para isso: vikalpa –
fantasia, e, definitivamente, não é algo positivo e que se deva cultivar. Pelo
contrário, trata-se de uma das modificações (vṛttis) negativas da mente, que não nos deixa enxergar a realidade.
Portanto, precisamos ir atrás das definições, precisamos sim enquadrar as
coisas, classifica-las em femininas e masculinas, maléficas e benéficas, fortes
e fracas, etc., invés de deixa-las todas soltas e vagas. A fantasia é
justamente a antítese do discernimento, ou seja, é a própria carência de
discernimento, é estar sujeito a inconsciência e, portanto, a ignorância.
Onde
quero chegar com tudo isso? No seguinte ponto: não bastasse a astrologia
moderna ocidental já estar impregnada de definições vagas e conceitos
equivocados, incluindo os horóscopos solares, hoje vejo pessoas praticando jyotiṣa dessa mesma forma. Tem se
tornado moda criar horóscopos diários com linguagem florida e poética, interpretando
os posicionamentos dos grahas e até
mesmo o pañchāṅga sem nem sequer dar
bola para os parâmetros clássicos de interpretação. Como? Bem, da seguinte
forma: “Ah! Hoje é daśamī-tithī (o
décimo dia lunar), dia presidido por Yama, portanto, basta eu escrever algo bem
bonito sobre a morte do obsoleto, a necessidade de respeitarmos limites e de
cultivarmos disciplina. Isso vai me render vários likes, assim vou me manter
popular no meio da astrologia”.
Isso
soa duro? Pode até soar, mas é a verdade.
Já vi por aí mais de uma dezena de pessoas no meio do jyotiṣa, seja no Brasil ou fora,
se vendendo para essa mesma abordagem fajuta que é tão amplamente
disseminada na astrologia ocidental. Anos atrás eu não via isso por aí, mas de
uns anos para cá essa abordagem de entretenimento tem ganhado cada vez mais força no jyotiṣa. Com isso, sem dúvida a
sociedade vai ganhando novos poetas, mas o problema é que esses poetas não se
definem como poetas, mas sim como astrólogos. É como alguém que faz arte com
ferramentas cirúrgicas, se diz médico só porque manipula essas ferramentas, mas
quando se trata de realmente fazer uma cirurgia, ele é incapaz. Isso é
incabível e um comportamento irresponsável ou no máximo ingênuo, o que embora seja mais perdoável, ainda assim não nega reações negativas.
Exposta
essa crítica, que é bem-intencionada e cujo único propósito é trazer esclarecimento,
agora posso falar sobre como é a abordagem tradicional das predições regulares,
sejam elas diárias, semanais, etc. Com isso cada um pode contrastar por conta
própria a abordagem moderna com a abordagem tradicional e ver o que tem mais substância, ainda que apreender o método tradicional demande muito mais do que apreender o superficial método moderno.
Em
primeiro lugar, para os indianos, o dia é interpretado não só com base nas
posições dos grahas, mas também com
base no pañchāṅga, um elemento
essencial de muhūrta, a astrologia
eletiva. O pañchāṅga é constituído de
cinco elementos: vāra – dia da
semana, tithī – dia lunar, nakṣatra – asterismo ocupado por Chandra
(Lua), karaṇa – a metade de uma tithī, e nitya yoga – vinte e sete padrões obtidos pela somatória das
longitudes de Sūrya (Sol) e de Chandra. Desses cinco elementos, os três primeiros
são especialmente importantes, pois, de acordo com as várias permutações
possíveis entre eles, diferentes yogas
se originam.
Por
exemplo, se alguém deseja em um determinado dia realizar uma atividade
auspiciosa, deve então consultar se aquele dia contém um yoga auspicioso, como siddha
ou savārtha-siddhi yoga, invés de yogas negativos como mṛtyu, visa ou dagḍhā yoga. Isso é muito diferente de querer
interpretar poeticamente as qualidades dos nakṣatras,
tithīs, etc., o que vejo ocorrendo
hoje em dia entre pessoas que nem sequer estudaram os fundamentos do pañchāṅga, os muhūrta yogas, etc., daí de ficarem surfando em interpretações
vagas e subjetivas, usando de imagens atraentes e outros artifícios. Se alguém realmente
deseja interpretar o pañchāṅga diário,
deve partir dos fundamentos clássicos, especialmente os muhūrta yogas, chamados de vāra-tithī-nakṣatra
yogas. Eles são a principal base das predições de dias auspiciosos e
negativos, sem nem sequer levar em conta o horóscopo individual. Inclusive, há
VTN yogas para diferentes tipos de
atividades, assim como há também regras mais específicas, envolvendo certas
configurações dos grahas e outros
elementos astronômicos importantes. Por exemplo, um casamento ou qualquer função
importante relacionada a vida afetiva, idealmente não deve ser realizada quando
Śukra (Vênus) e Guru (Júpiter) estão combustos ou de alguma forma fracos nem
quando há certos doṣas (desarmonias)
presentes no dia em questão, como ekārgala,
upagraha, mṛtyu pañchaka, etc.
Além
desse método, que é a base do muhūrta-jyotiṣa,
há também métodos mais específicos para jātaka-jyotiṣa,
a astrologia natal, os quais geralmente vão ser utilizados em conjunto com os
métodos de muhūrta-jyotiṣa. Um desses
métodos envolve notar o signo ou nakṣatra
ocupado por Chandra no nascimento e, a partir disso, prever quais trânsitos
seriam mais negativos ou positivos para o indivíduo, o que também não é lá tão
preciso quando usado isoladamente, pois se assemelha ao horóscopo solar, uma
vez que ignora todos os outros elementos de um horóscopo, como a posição do
ascendente e dos outros oito grahas,
isso para não falar também das daśās
e outros elementos mais sutis. O diferencial, nesse caso, é que Chandra é um
significador pessoal muito mais preciso do que Sūrya, pois o movimento de
Chandra é de um nakṣatra ao dia, ou
de um signo a cada dois dias e meio, enquanto Sūrya permanece um mês inteiro em
um signo. Sade-sati, ardhāṣṭama e aṣṭama Śani, os trânsitos negativos de Śani, foram todos definidos
com base nesse método. Há ainda astrólogos, como Sheshadri Iyer e K. N. Rao, que
preferem usar o ascendente como referência principal para a leitura dos
trânsitos, invés de Chandra. Eu sem dúvida concordo com eles, pois o ascendente
muda de signo a cada duas horas, em média, logo é muito mais específico do que
usar o Chandra ou Sūrya lagna.
Outro
método, bem mais preciso, foi ensinado por Mantreśvara em sua Phaladīpikā.
Nesse não é necessário saber as posições de todos os grahas no mapa do indivíduo, embora seja muito melhor saber isso,
obviamente. No caso, atenção especial é dada ao trânsito do regente do
ascendente, seja pelos pontos natais ou em relação a outros grahas em trânsito. Nota-se também nesse
método os trânsitos de outros grahas pelo
ascendente ou pela posição natal do senhor do ascendente.
Por
fim, outro método, que não é o último desses, mas sim o último que abordarei
aqui, envolve justamente consultar com regularidade as mudanças de daśās e de trânsitos sobre o próprio
mapa. Esse é o método mais confiável, sem dúvida alguma, pois é absolutamente específico
ao indivíduo. Por sinal, não só esse método como também o último que descrevi
mais acima, e em parte até mesmo o primeiro, demanda um bom nível de
conhecimento astrológico e, portanto, não se destina as pessoas em geral, mas
apenas a quem estuda com seriedade a astrologia. Porém, não é porque esses
métodos não são acessíveis, especialmente o segundo e o terceiro, que isso
justifica recorrer a métodos baratos e fajutos, como os horóscopos solares ou
qualquer outra invenção simplista.
Se
alguém não consegue consultar as influências de um dia específico ou os
trânsitos sobre o seu próprio mapa, basta consultar um astrólogo de sua
confiança. Ninguém (idealmente) sai fazendo diagnósticos médicos por conta
própria sem ter conhecimento para isso. Ninguém também sai se consultando ou
buscando os diagnósticos de qualquer um por aí, especialmente quando a própria
saúde está em jogo. Da mesma forma, se alguém deseja entender os efeitos dos grahas sobre a própria vida, seja
durante um dia, uma semana, mês, ano, o que for, tem de se consultar com um
astrólogo ou estudar a astrologia. Certamente, essas são as duas únicas possibilidades.
Elas demandam dinheiro, tempo ou trabalho árduo, com certeza, mas o que na vida
não demanda dinheiro, tempo ou trabalho árduo? Só as coisas sem qualidade, tal
qual os horóscopos solares ou mesmo os lunares, que agora estão ganhando
destaque no jyotiṣa, na forma de uma “contraparte
indiana” do que foi idealizado lá atrás por Alan Leo.
oṁ tat sat
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