segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Uma breve história da astrologia natal indiana (jātaka)

"Um astrólogo", Tanjore, 1805
A história do jātaka, ramo do jyotiṣa que lida com a genetialogia, ou seja, o estudo de uma natividade/horóscopo, ao invés de ter se iniciado a milhares de anos atrás no período védico, teve início no século II d.C., com um tratado de características predominantemente helenísticas chamado Yavana jātaka, que ingressou na Índia e foi traduzido à época de Kṣatrapa Rudradāman pelo líder da comunidade grega, Yavaneśvara, em Ujjayinī. Posteriormente, esse mesmo texto foi versificado por Sphujidhvaja, em 269/270 d.C., durante o reinado de Kṣatrapa Rudrasena II.

No século seguinte, entre 300-325 d.C., à época de Rudrasiṃha II ou Yaśodāman II, o astrólogo Yavanādhirāja Mīnarāja compôs o Vṛddha yavana jātaka, baseando-se no Yavana jātaka de Yavaneśvara e no tratado perdido de Satyācharya, um astrólogo que só podemos conhecer parcamente através de alguns poucos ensinamentos seus preservados nos clássicos, mas que foi muitas vezes citado.

Já no século VI, Varāhamihira é o astrólogo que se destaca e, entre ele e Mīnarāja, ao que tudo indica, existiram também outros astrólogos como Maya, Maṇittha, Śaktipūrva (Parāśara, mas que não parece ser o mesmo do BPH), Devasvāmin, Viṣṇugupta, Siddhasena, Jīvaśarman, Bādarāyaṇa e Māṇḍavya, pois esses nomes são mencionados por Varāhamihira em seus tratados, Bṛhat saṃhitā e Bṛhat jātaka. Inclusive, pode-se dizer que o grande marco do jyotiṣa foi Varāhamihira, em especial, devido ao seu Bṛhat jātaka, no qual praticamente todos os astrólogos do período medieval se basearam para escrever os seus tratados.

Um século depois de Varāhamihira, aproximadamente, o pūrvakhaṇḍa (a primeira seção) do que hoje é conhecido como Bṛhat Parāsara horā foi escrito, contendo uma rica mas confusa coleção de material astrológico, muito dele sem precedentes. Entre 600-750, o uttarakhaṇḍa (a seção posterior) do BPH foi composto, demonstrando maior homogeneidade e uma estrutura muito mais precisa do que a apresentada no pūrvakhaṇḍa, que está repleto de controvérsias e passagens duvidosas, claramente interpoladas, o que só veio a se agravar nos séculos seguintes, dando origem a mitos e absurdos que hoje vigoram sob o nome de "astrologia védica". Inclusive, podemos saber que o uttarakhaṇḍa do BPH era mais organizado e preciso porque ele chegou a ser comentado por Govindasvāmin em 850, no Kerala. Seu comentário é chamado Prakaṭārthadīpikā.

Depois disso, entre os séculos VI e XIX, vários outros autores de jyotiṣa foram despontando, como Kalyāṇa Varman no séc. VIII, Pṛtthuyaśas entre os séculos VIII-XIV, Śrīpati no século XI, Guṇakāra entre os séculos XII-XV, Vaidyanātha e Mantreśvara no século XV, Dhuṇḍirāja e Nārāyaṇa Bhaṭṭa no século XVI, Gaṇeśa, Harajī, Balabhadra e Veṅkateśa no século XVII, Puñjarāja e Somayājin no século XVIII, assim como também Mahādeva no século XIX.

Como se pôde ver através dessa linha histórica, o ramo genetlíaco (jātaka) do jyotiṣa é relativamente recente, tendo aproximadamente 1800 anos de idade. Inclusive, embora ele comece com o Yavana jātaka no século II, o qual é extremamente influenciado pela astrologia helenística, foi somente a partir do Bṛhat jātaka de Varāhamihira no século VI que o jyotiṣa veio a ganhar características mais indianas, o que só foi se acentuando no decorrer dos anos, tanto é que para muitos a tradição de jyotiṣa, em termos práticos, tem seu início com Varāhamihira. Mas, infelizmente, nos dias atuais isso é desconhecido pela maioria, que seguindo o slogan moderno "astrologia védica" da sociedade de consumo, crê que o jyotiṣa teve início com ṛṣis de milênios antes de Cristo, um grande disparate que adquiriu proporções mitológicas e promove, dentre muitos absurdos, a ideia de que o Bṛhat Parāśara horā śāstra foi o primeiro tratado de jyotiṣa, sendo datado de 5000 anos atrás, quando na verdade ele data do século VI-VIII e com inserções confusas que reforçam a ideia de que se trata de uma compilação de materiais que foram se desenvolvendo depois de Varāhamihira, ao invés de ser um livro sacrossanto escrito por um ṛṣi iluminado. Pior ainda é promover que o Upadeśa sūtra, composto por Jaimini, data também de aprox. 5000 anos atrás, tendo sido composto por um discípulo de Vyāsa, filho de Parāśara ṛṣi (algo que não é mencionado em momento algum no Upadeśa sūtra), quando na verdade o texto parece ser aproximadamente da época de Varāhamihira, ou seja, posterior a 500 d.C.

Fonte:
Jyotiḥśāstra: astral and mathematical literature - David Pingree

oṁ tat sat

3 comentários:

  1. Bom texto mas Pingree tem vies ocidental, esqueceu de dizer que antes de existir Ascendente introduzido pelos astrologos babilonios/helenisticos e trazido para India no seculo II ja existia a Astrologia Vedica com Ascendente pela Lua nos Nakshatras ou estrelas fixas no sistema Sideral e ainda em uso ate hoje conjuntamente com a Astrologia Indiana que uniu os dois.

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  2. Henry, os naksatras sem dúvida são de origem védica e, provavelmente, os indianos já realizavam também interpretações com base nele, embora não me lembre de ter visto qualquer passagem nos textos que antecedem o século II dando essas indicações. Portanto, esse é um conhecimento apenas rudimentarmente astrológico.

    O Vedanga jyotisha, que é o texto mais antigo da tradição, de aprox. 1100 a.C., já descrevia os naksatras, mas não apresentava nenhuma interpretação desses. Os indianos registravam a tithi e o naksatras do nascimento como nós registramos o dia de nascimento. Não há nenhuma demonstração preditiva. Até onde sei, as pessoas apenas conjecturam isso. Se houve um uso astrológico dessas informações, esse uso foi eletivo, pois o Vedanga jyotisha não se destinava apenas a confeccionar um calendário, como também eleger datas apropriadas para realizar os samskaras e yajnas védicos.

    Dê uma lida nesse artigo que escrevi algum tempo atrás: https://hora-sastra.blogspot.com/2018/04/a-astrologia-e-mesmo-vedica.html, nele faço menção a esses elementos e não nego que são de origem védica, inclusive, esse é um ponto em que discordo do Pingree. Ele tenta traçar alguma relação entre os naksatras e a Babilônia, o que já é uma forçação de barra, com certeza. Mas de resto, a pesquisa histórica dele é excelente e digna de atenção.

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  3. Posso afirmar, inclusive, que quem estuda os textos de jyotisha e os compara, levando em consideração suas datas de composição, pode compreender bem que o estudo do Pingree é realmente excelente e muito coerente.

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