Quando se fala de Saturno, aqueles que compreendem um pouco que seja da
astrologia logo pensam na palavra karma. Alguns até dizem que Saturno é
quem indica o nosso karma, num sentido pejorativo, o que não é
muito apropriado de se dizer, pois o mapa todo compõe o nosso karma. Além
do que, karma não é algo necessariamente ruim, pois trata-se de
uma lei neutra que pode gerar tanto bons quanto maus frutos. Karma se
traduz como atividade e não como fardo, embora seja natural que venha a se
tornar um fardo pelo fato de que todos acabam se tornando cativos de seu
próprio ciclo de atividades fruitivas, seja um milionário, um miserável, ou o
que quer que seja. Portanto, para esclarecer o papel de Saturno e sua relação
com o karma, estou escrevendo esse artigo. E para começar, considero que
uma das melhores formas de entender Saturno é analisar as casas as quais ele é kāraka
(significador), a 8 e a 12, pois isso nos ajudará a ir fundo em seu papel
em uma carta natal.
As casas 8 e 12 tratam respectivamente
da morte e das perdas, sendo definidas como dusthānas – locais de
sofrimento, mas sofrimento com um propósito! Se analisarmos detidamente veremos
que as casas 8 e 12 são parte do chamado mokṣa-trikoṇa, casas que,
somadas a 4 compõem o triângulo de mokṣa, ou seja, que tratam da libertação
do ciclo de nascimentos e mortes. No caso da 8, é a casa do conhecimento
esotérico que é a raiz da libertação, e no caso da 12, a casa de śaraṇāgati,
rendição, sacrifício completo que frutifica na libertação do saṃsāra.
Portanto, isso qualifica essas casas como casas tanto de sofrimento, quanto de
libertação, e Saturno é muito importante nesse processo todo.
Saturno é o duḥkha-kāraka,
significador das misérias e sofrimentos, assim como o ayu-kāraka,
significador da longevidade. E o que é a longevidade senão o veículo de todas
as misérias? Enquanto há vida, há quatro sofrimentos principais pelos quais
devemos passar: nascimento, envelhecimento, doença e morte. O tempo de vida de
um ser é o período em que ele tanto desfrutará quanto sofrerá os resultados de
seu prārabdha-karma, que é o karma que amadureceu e representa
agora a somatória de fatores que compõe a existência desse ser: seu corpo, a
família em que nasce, as felicidades e tristezas pelas quais passa, etc.
Basicamente, tudo que há para ser experimentado no intervalo entre o nascimento
e a morte é definido como prārabdha – o que teve início, que se encontra
em movimento -, e esse prārabdha é o karma que o astrólogo estuda
na carta natal, e o qual Saturno é encarregado de ir trazendo a tona por meio
de sua posição natal, aspectos, trânsitos, etc., embora isso não exclua o papel
dos outros planetas como portadores do karma, pois em realidade quando
falamos de karma, estamos a falar do mapa como um todo e não só de
Saturno. Saturno seria basicamente o ceifador na plantação do karma. Ele
sabe o momento certo para colher cada fruto. Por exemplo, quando Saturno
aspecta a casa sete ou o regente da sete de um mapa durante o seu trânsito, o
casamento pode vir a se tornar uma realidade, enquanto que quando ele se
relaciona com a oito ou seu senhor, então esse pode ser o momento de um
divórcio ou uma perda familiar.
Os planetas são os mediadores da lei do
karma, eles nos conferem os frutos de nossas atividades pregressas, e
dentre eles, Saturno é o ceifador que distribui os frutos das colheitas de
vidas e vidas. Esse processo laborioso é chamado saṃsāra, o ciclo de
nascimentos e mortes que pode ser comparado a esse grande plantio. Tal ciclo
compreende transformações que não se dão somente ao longo de uma vida, mas ao
longo de incontáveis vidas, um processo simplesmente inconcebível para nossa
mente limitada e com uma referência de tempo tão insignificante perante o
infinito. O ciclo do saṃsāra a que a alma encontra-se atada é definido
como anadi, isso é, sem um começo perceptível. Mas qual seria afinal o
propósito disso tudo? Porque nascer, porque sofrer, porque adoecer, envelhecer
e morrer? Bem, esse é o preço que se paga para alcançar o infinito, “é preciso
morrer para viver”, parafraseando o filósofo Hegel. É essa a exigência para aqueles
que miram o infinito: precisa-se estar disposto a morrer, quantas vezes for
necessário para alcançar a meta última, e quem confere a força para enfrentar
essa dificil tarefa é Saturno, o resistente, vagaroso e sábio homem de idade,
que traz consigo a experiência e o desapego.
Para a alma que encontra-se enredada o
sofrimento lhe serve como um árduo guia, pelo menos até uma certa etapa de seu
progresso. É como um vírus. Para ganhar imunidade, preparam-se vacinas
valendo-se do próprio vírus, mas em uma quantidade muito inferior. Quando o
vírus é introjetado no corpo, o sistema imunológico o combate e, ganha-se assim
imunidade em relação ao mesmo. Da mesma forma, o sofrimento é preciso para que
se compreenda a necessidade de transpor essas quatro causas de toda angústia: o
nascimento, o envelhecimento, a doença e a morte. A energia externa chamada maya-śakti,
é uma serva do Senhor encarregada de punir as almas entretidas em sua
exploração nesse plano da nescidade, pois expondo a alma condicionada a
diferentes tipos de dificuldades, pouco a pouco ela vai tomando conta da
necessidade de transcender essa realidade, pois percebe que se encontra perdida
em uma terra estrangeira.
Dentro do mapa, todo esse drama pode
ser analisado, assim como as chances que uma pessoa tem de se libertar disso
tudo, o que se dá através das casas 4, 8 e 12 basicamente. Essas casas compõem
a chave para a libertação, e Saturno, sendo o kāraka das casas 8 e 12, é
não só aquele que gera sofrimentos, como também o responsável por evocar o
desapego. Devido a isso, Saturno pode ser qualificado como vairāgya-kāraka,
o significador do desapego as coisas mundanas, o que inclui a própria concepção
corpórea, que é a fonte de todas as misérias. Saturno alinha-se como kāraka das
casas 8 e 12 tanto no encargo de punidor quanto de libertador.
Por exemplo, no capítulo 79 do BPHS,
Parāśara trata dos pravrajyā-yogas - combinações que conduzem a
renúncia, a dedicação a um processo espiritual -, nos quais podemos ver o quão
fundamental é o papel de Saturno nessas combinações, conforme seguem abaixo:
(1) O senhor do signo
ocupado pela Lua aspecta ou, enfraquecido recebe o aspecto apenas de Saturno.
(2) A Lua ocupa um
decanato ou navāṁśa de Saturno ou Marte e recebe o olhar de Saturno.
(3) Lua, Júpiter e o
lagna (ascendente) recebem o aspecto de Saturno enquanto Júpiter ocupa a nona
casa.
(4) Saturno ocupa a
nona sem receber o aspecto de qualquer planeta.
Todos os yogas acima citados conduzem
a prática do yoga e, portanto ao desapego. Com isso em mente podemos
entender que a faceta severa de Saturno tem o seu propósito específico: gerar o
desapego, evocar a consciência de que nesse plano tudo é efêmero, está fadado a
decair. Em sua expressão máxima, Saturno é a personificação do sábio, do homem
que morreu para o mundo, como um sannyasi, ou mesmo um bābājī –
duas classes de renunciados.
Hari Om Tat Sat
ah que bonito, lindo texto--- tenho essas coisas saturninas---saturno e desapego das ilusões--- tudo é impermanente"o que adianta granjear o mundo se perder sua alma?""
ResponderExcluirGratidão pelo belo e esclarecedor texto.
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