Hoje é dia dos pais, logo, convém falar a respeito de Sūrya (Sol),
o pitṛ-kāraka (significador do pai). Dentre os grahas,
Sūrya é considerado o líder, afinal, o sistema é SOLAR e nenhum graha tem
uma dimensão sequer próxima a dele. Todos os tratados clássicos de jyotiṣa,
inclusive, são iniciados com um maṅgala-caraṇa (invocação
auspiciosa) dedicado a Sūrya-deva. Dois bons exemplos são:
Sūrya, o criador, floresce supremo
enquanto a fonte do universo e a natureza desse. Ele é o ornamento natural do
firmamento, enfeitado com incontáveis raios semelhantes ao ouro derretido.
– Bṛhat-saṁhitā
Glória a Sūrya-deva, cuja mera
expiração cria este mundo; cuja ascensão desperta todos os seres vivos; cujo
zênite acentua as atividades de todos, e cujo ocaso conduz os seres ao sono. A
eficácia de Sūrya-deva se espalha por toda parte. – Sārāvalī
As dedicatórias a Sūrya constantes nos śāstras de jyotiṣa se devem ao fato dele ser a fonte desse conhecimento, afinal, dias e anos são calculados com base em Sūrya, e as posições de todos os grahas visíveis podem ser estudadas graças à luminosidade de Sūrya que eles refletem. Além disso, Sūrya é o significador da visão e da consciência, sem as quais não poderíamos enxergar nem ter percepção de nada. Logo, tudo o que há de mais fundamental para a nossa existência se relaciona simbolicamente a Sūrya. Por exemplo, a nível físico, ele representa asthi-dhātu, a ossatura, a unidade mais básica do corpo, onde todo o mais se apoia. Em uma sociedade, ele representa o governo/o rei. Na constituição pessoal, ele é o próprio ātman (alma), que vivifica o intelecto, a mente, o corpo e os sentidos. Na numerologia, ele é o número 1, e em uma família, ele é o pai, e como bem diz Śrī Kṛṣṇa na Bhagavad-gītā, “ahaṁ bīja-pradaḥ pitā – Eu Sou o pai que dá a semente”, ou seja, Sūrya representa a fonte da vida, a semente da existência. Dessa forma, Sūrya engloba significados básicos dos quais todas as demais coisas emergem.
Na tradição hindu, uma
das práticas mais comuns é o sandhya-vandana, a recitação do brahmā-gayatrī
nas três junções do dia: no alvorecer, ao meio-dia e no ocaso. Nessa prática,
Sūrya é reconhecido como a fonte de todas as coisas, ou seja, faz-se uma
analogia entre Sūrya e Bhagavān (Deus), pois assim como Deus está no centro de
todas as coisas e é a fonte delas, Sūrya se encontra no centro do nosso sistema,
sendo a fonte externa da vida e da ordem (ṛta).
Śrī Tirumalai Kṛṣṇamācārya, um grande yogī, chegou a dizer que cada um deve se dedicar à adoração a Deus, mas se não é capaz, então que adore Sūrya, mas se também não é capaz disso, então que adore os seus pais. Nessa citação, Kṛṣṇamācārya está pontuando o quão importante é nós reconhecermos e adorarmos um ponto de origem. Em sua expressão mais sublime e pura, esse ponto de origem é Deus, ao passo que Sūrya e os nossos pais são fontes externas, periféricas quando comparadas à supremacia de Deus. Portanto, que todos nós tenhamos consciência da importância de se reconhecer a fonte de nossa existência tanto a nível externo quanto interno, pois Deus é a fonte de tudo, mas o pai (e também o guru e o rei) é o Seu representante, como nos esclarece a cultura védica. Desonrar e desrespeitar o próprio pai é equivalente a desonrar e desrespeitar a Deus. Meu parama-gudeva (o mestre do meu mestre), Śrīla Bhaktivedānta Nārāyaṇa Gosvāmī Mahārāja, sempre que se encontrava com o seu pai, prostrava-se diante dele e tocava os seus pés, exemplificando a todos que mesmo um santo desprendido de todas coisas e focado como é em Deus, não ignora a sua origem física, senão que a reconhece com gratidão e honra.
oṁ
tat sat
Excelente texto.
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