terça-feira, 24 de abril de 2018

Conhecimento espiritual e escritural, paciência, memória e contemplação

No Charaka saṃhitā, importante texto de āyurveda, é mencionado que as doenças físicas resultam de vāta, pitta e kapha, enquanto as da mente, são resultantes das perturbações causadas por rajas (paixão/apego/egoísmo) e tamas (ignorância/obscuridade/inércia). 

O interessante é que no que se refere ao tratamento dos problemas resultantes da mente, a recomendação dada no texto é basicamente o cultivo de (1) conhecimento espiritual e escritural, (2) paciência, (3) memória e (4) contemplação, pois assim rajas e tamas podem ser removidos e sattva (equilíbrio/bondade/pureza/conhecimento) evocado. Essas são recomendações muito pontuais, sendo aplicáveis também ao jyotiṣa no que se refere aos upāyas (remédios).

O cultivo de conhecimento espiritual por meio do estudo escritural (no caso dos hindus, focado nos purāṇas, nas upaniṣads e nos vedas, principalmente), p. e., é chamado de svadhyāya yajñā, o sacrifício envolvendo o estudo do eu. O ideal é que diariamente dediquemos algum tempo ao cultivo de conhecimento espiritual por meio das escrituras, pois isso otimiza sattva, traz clareza quanto a realidade das coisas e da natureza do eu. Esse estudo, quando combinado com a memorização e a recitação de ślokas (versos), stotras e mantras, assim como da memorização ou rememoração de princípios filosóficos, ajuda não só a evocar sattva como também estimula o desenvolvimento de regiões do cérebro associadas a memória, a capacidade de tomar decisões e a percepção sensorial, como já foi comprovado em estudos neurológicos sobre a diferença entre o cérebro de paṇḍītas dedicados a memorização dos textos védicos e indivíduos comuns.

Em relação a paciência, o termo usado em sânscrito é dhṛti, cujo significado também pode ser determinação, vontade, estabilidade e resolução. Sem dhṛti, não se pode alcançar paz de espírito, uma vez que a vida envolve uma mistura de eventos felizes e tristes, os quais se alternam continuamente. A paciência ou a equanimidade, portanto, é essencial, pois quem espera que o ambiente se curve as suas vontades certamente se frustrará, uma vez que infelicidades e misérias jamais podem ser completamente evitadas em um mundo como este. Logo, mais sábio é curvar-se a vida, afinal, não temos outra opção a não ser aceitarmos os frutos do nosso karma, enquanto nos empenhamos em prol do aperfeiçoamento pessoal pacientemente, mantendo sempre uma perspectiva ampla dos eventos vivenciados.

Por fim, no Charaka saṃhitā também recomenda-se a prática da contemplação como uma forma de mitigar rajas e tamas, o que evoca não só conhecimento (jñāna) como também realização espiritual (vijñāna). Nesse caso, a contemplação incluí tanto dhyana (meditação) quanto também mantra japa (a prática meditativa de um mantra). Inclusive, na literatura do jyotiṣa, a prática de mantra é especialmente enfatizada, enquanto graha śantīḥ, o que conecta essa recomendação do āyurveda as próprias recomendações já presentes no jyotiṣa e, não só, o próprio Mantreśvara, em sua Phaladīpikā, faz recomendações análogas as de Charaka, embora não seja tão específico quanto o mesmo. Ele diz o seguinte (26.50):

"Os grahas são favoráveis àqueles que não prejudicam aos demais, que exercitam o autocontrole e são sempre atentos ao caminho e as regras de conduta delineadas nos śāstras, observando uma disciplina religiosa."

om tat sat

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