quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Kendrādhipatya doṣa

              Encontramos no Bṛhat Parāśara Horā Śāstra um śloka a respeito de natureza funcional que diz:

Benéficos, regendo kendras, não conferirão efeitos benéficos, enquanto maléficos, regendo kendras, não permanecerão inauspiciosos. – 2.34

            Tal śloka tem criado muita confusão entre alguns praticantes e estudantes. Esse conceito tem sido nomeado como kendr
ādhipatya doṣa. A lógica por detrás de tal princípio não é de que um benéfico regendo kendra se torna inauspicioso e um maléfico se torna auspicioso, como muitos interpretam, pois Parāśara nem sequer diz isso. Ele apenas diz “... não conferirá efeitos benéficos” e “...não permanecerão inauspiciosos”, o que nos remete a certa neutralidade. Um pouco mais adiante, no mesmo capítulo temos o seguinte śloka:

Em causarem malefícios, devido a regência dos kendras, Lua, Mercúrio, Júpiter e Vênus são significantes em ordem ascendente. – 10.34

            Nesse śloka a menção de “malefícios” é significativa, e nos faz pensar que de fato um benéfico regendo kendra se torna inauspicioso, porém na prática não é isso o que vemos de fato, portanto isso tem de ser analisado cuidadosamente. Por exemplo, para o lagna sagitário ou peixes, Júpiter rege dois kendras, incluindo o lagna, e Parāśara o define como neutro devido a isso. Porém, para o lagna virgem, Parāśara diz que Júpiter é maléfico funcional, e nesse caso o temos como regente de quatro e sete. A regência da casa sete aqui é significativa e indica que Júpiter se torna maléfico não por ser um benéfico a reger kendras, mas sim por reger um māraka, o que nesse caso interfere em sua neutralidade como regente de kendra, inclinando-o ao malefício.

            Exemplos que corroboram o que digo são:

(1)  Vênus é uma maléfica funcional para o lagna áries, pois rege a sete (kendra) e a dois, ou seja ambos mārakas. Também o é para o lagna escorpião onde rege sete (kendra) e doze, um māraka e um dusthāna. Até mesmo para o lagna touro Vênus é considerada maléfica funcional, visto que embora seja regente do lagna, é também regente de seis onde encontra-se seu mūlatrikoṇa, o que soma-se ao fato de ser um benéfico regendo um kendra. No caso do lagna câncer, Vênus rege quatro e onze (triṣadaya) e, portanto é também considerada maléfica. Para os lagnas capricórnio e aquário, Śukra embora seja regente de kendra é também de trikoṇa e, portanto não é considerada maléfica, mas yogakāraka. Isso atesta a natureza neutra dos kendras.

(2)  Júpiter só se torna maléfico por reger kendras no caso dos lagnas gêmeos e virgem, onde além de reger kendras (4-10 nesse caso), rege também a sete que além de kendra é māraka. No caso dos lagnas sagitário e peixes, Júpiter é denominado neutro, pois tem regência do lagna e das casas quatro ou dez, não envolvendo, portanto nenhum māraka, triṣadaya ou dusthāna. Júpiter é mais inclinado a auspiciosidade no caso do lagna peixes, não por suas regências, mas pela possibilidade de gerar um excelente yoga (dharma-karmādhipati yoga, relações de regentes de dez e nove) caso associado com Marte.

(3)  Mercúrio torna-se maléfico devido a regência de kendras apenas para os lagnas sagitário e peixes, pois além de reger quatro/dez torna-se também regente de sete, que é kendra, mas também māraka. No caso dos lagnas gêmeos e virgem, Mercúrio é neutro, e mais inclinado a auspiciosidade no caso do lagna virgem não por suas regências, mas pela possibilidade de gerar um excelente yoga (dharma-karmādhipati yoga, relações de regentes de dez e nove) caso associado com Vênus. Deve-se lembrar que Mercúrio, enquanto benéfico é bastante sensível, visto que se associado a maléficos adquire uma disposição maléfica.

(4)  A Lua só se torna maléfica no caso do lagna capricórnio, onde é regente de sete (kendra e māraka). No caso dos lagnas áries e libra, a Lua devido a regência de quatro e dez respectivamente, é denominada neutra, o que indica que sua fase lunar, relacionamentos, etc., determinarão se os resultados serão auspiciosos ou não. No caso do lagna câncer, sua exclusiva regência do lagna a torna benéfica.

Com base no que foi dito acima, pode-se entender quando e por que um benéfico pode se tornar de fato maléfico enquanto regente de kendras. E mesmo em casos como esses, o malefício do benéfico só se torna proeminente quando ele ocupa a casa māraka. Se Mercúrio para o lagna sagitário ocupa a décima, ele forma um poderoso bhadra mahāpuruṣa yoga, e em seu daśā conferirá excelentes resultados em termos de carreira e projeção social, além dos efeitos māraka. Porém, se o mesmo ocupa a sétima, então além de formar o bhadra mahāpuruṣa, o desgaste na saúde do indivíduo ou mesmo a morte durante seu daśā ficará ainda mais enfatizado, mas não negará casamento, parcerias e progresso nos negócios, por exemplo. Portanto, ser māraka não implica destruição completa dos resultados auspiciosos, ser māraka implica desgastes a saúde ou mesmo a morte, que coexiste com os demais resultados prometidos pelo planeta em questão. Inclusive, se de fato benéficos regendo kendras se tornassem maléficos, a maior parte dos mahāpuruṣa yogas seriam negativos ao invés de auspiciosos, o que é absurdo.
Mas então, agora nos resta a seguinte indagação:

“Porque Parāśara atribui uma ordem de maleficência aos planetas benéficos enquanto regentes de kendras?”

Isso pode ser respondido exatamente com o que foi dito acima. Percebam que Vênus é o único planeta que vai reger simultaneamente dois mārakas (áries), ou um māraka e um dusthāna (escorpião), ou um kendra e um triṣadaya (câncer). Os demais planetas, Júpiter, Mercúrio e Lua regem apenas kendras, dentre esses a sete que é māraka, portanto são menos inauspiciosos que Vênus. Ainda sim, isso não responde o que distingue o malefício de Júpiter ser superior ao da Lua ou o de Mercúrio enquanto regente de kendra. Para responder isso, precisamos nos referir ao seguinte śloka:

A Lua cheia, Mercúrio, Júpiter e Vênus são fortes em ordem ascendente (enquanto benéficos). – 9.32

Nesse śloka, Parāśara nos dá a ordem de força dos benéficos para trazer auspícios. Percebam que essa ordem quando invertida é a ordem de malefício desses enquanto regentes de kendras. Portanto, a razão de Parāśara atribuir malefício crescente da Lua à Vênus é o fato de que o benefício desses vai ser perdido devido a neutralidade dos kendras em ordem igualmente crescente. Com base nessa linha de raciocínio se pode explicar o fato de benéficos não conferirem resultados benéficos enquanto regentes de kendras. É, portanto completamente errônea a noção de que um benéfico se torna maléfico quando rege um kendra, pois ele se torna neutro e, o que definirá se ele se inclinará ao bem ou ao mau será a sua outra regência, afinal os kendras indicam os quatro puruṣārthās da vida: dharma (religiosidade – 1), artha (desenvolvimento econômico – 10), kāma (satisfação dos desejos – 7) e mokṣa (libertação – 4), e essas quatro metas podem ser perseguidas de forma virtuosa ou não, o que atesta a neutralidade intrínseca dos kendras.

om tat sat

Um comentário:

  1. Interessante a tua abordagem. Tenho ascendente em gêmeos,júpiter em peixes na casa 10. Um benéfico natural nas kendras. Vejo bons resultados relativamente aos assuntos da casa 10.E a minha lua está na casa 1. Posso dizer que sim, depende de como o benéfico maléfico se encontra . Se ele está em signo debilitado pode realmente não ser auspicioso.Se o signo em que ele se encontra for da sua regência creio que essa regra anula.É como se ele estivesse em um lagna que o faz bem. É a minha conclusão.

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