Encontramos no Bṛhat Parāśara Horā Śāstra um śloka a respeito
de natureza funcional que diz:
Benéficos,
regendo kendras, não conferirão efeitos benéficos, enquanto maléficos, regendo
kendras, não permanecerão inauspiciosos. – 2.34
Tal śloka tem criado muita confusão entre alguns praticantes e estudantes. Esse conceito tem sido nomeado como kendrādhipatya doṣa. A lógica por detrás de tal princípio não é de que um benéfico regendo kendra se torna inauspicioso e um maléfico se torna auspicioso, como muitos interpretam, pois Parāśara nem sequer diz isso. Ele apenas diz “... não conferirá efeitos benéficos” e “...não permanecerão inauspiciosos”, o que nos remete a certa neutralidade. Um pouco mais adiante, no mesmo capítulo temos o seguinte śloka:
Em
causarem malefícios, devido a regência dos kendras, Lua, Mercúrio, Júpiter e
Vênus são significantes em ordem ascendente. – 10.34
Nesse śloka a menção de “malefícios” é significativa, e nos faz pensar que de fato um benéfico regendo kendra se torna inauspicioso, porém na prática não é isso o que vemos de fato, portanto isso tem de ser analisado cuidadosamente. Por exemplo, para o lagna sagitário ou peixes, Júpiter rege dois kendras, incluindo o lagna, e Parāśara o define como neutro devido a isso. Porém, para o lagna virgem, Parāśara diz que Júpiter é maléfico funcional, e nesse caso o temos como regente de quatro e sete. A regência da casa sete aqui é significativa e indica que Júpiter se torna maléfico não por ser um benéfico a reger kendras, mas sim por reger um māraka, o que nesse caso interfere em sua neutralidade como regente de kendra, inclinando-o ao malefício.
Exemplos que corroboram o que digo são:
(1) Vênus
é uma maléfica funcional para o lagna áries, pois rege a sete (kendra) e a
dois, ou seja ambos mārakas. Também o é para o lagna escorpião onde rege sete
(kendra) e doze, um māraka e um dusthāna. Até mesmo para o lagna touro Vênus é
considerada maléfica funcional, visto que embora seja regente do lagna, é
também regente de seis onde encontra-se seu mūlatrikoṇa, o que soma-se ao fato
de ser um benéfico regendo um kendra. No caso do lagna câncer, Vênus rege
quatro e onze (triṣadaya) e, portanto é também considerada maléfica. Para os
lagnas capricórnio e aquário, Śukra embora seja regente de kendra é também de
trikoṇa e, portanto não é considerada maléfica, mas yogakāraka. Isso atesta a
natureza neutra dos kendras.
(2) Júpiter
só se torna maléfico por reger kendras no caso dos lagnas gêmeos e virgem, onde
além de reger kendras (4-10 nesse caso), rege também a sete que além de kendra
é māraka. No caso dos lagnas sagitário e peixes, Júpiter é denominado neutro,
pois tem regência do lagna e das casas quatro ou dez, não envolvendo, portanto
nenhum māraka, triṣadaya ou dusthāna. Júpiter é mais inclinado a auspiciosidade
no caso do lagna peixes, não por suas regências, mas pela possibilidade de
gerar um excelente yoga (dharma-karmādhipati yoga, relações de regentes de dez
e nove) caso associado com Marte.
(3) Mercúrio
torna-se maléfico devido a regência de kendras apenas para os lagnas sagitário
e peixes, pois além de reger quatro/dez torna-se também regente de sete, que é
kendra, mas também māraka. No caso dos lagnas gêmeos e virgem, Mercúrio é
neutro, e mais inclinado a auspiciosidade no caso do lagna virgem não por suas
regências, mas pela possibilidade de gerar um excelente yoga
(dharma-karmādhipati yoga, relações de regentes de dez e nove) caso associado
com Vênus. Deve-se lembrar que Mercúrio, enquanto benéfico é bastante sensível,
visto que se associado a maléficos adquire uma disposição maléfica.
(4) A
Lua só se torna maléfica no caso do lagna capricórnio, onde é regente de sete
(kendra e māraka). No caso dos lagnas áries e libra, a Lua devido a regência de
quatro e dez respectivamente, é denominada neutra, o que indica que sua fase
lunar, relacionamentos, etc., determinarão se os resultados serão auspiciosos
ou não. No caso do lagna câncer, sua exclusiva regência do lagna a torna
benéfica.
Com
base no que foi dito acima, pode-se entender quando e por que um benéfico pode
se tornar de fato maléfico enquanto regente de kendras. E mesmo em casos como
esses, o malefício do benéfico só se torna proeminente quando ele ocupa a casa
māraka. Se Mercúrio para o lagna sagitário ocupa a décima, ele forma um
poderoso bhadra mahāpuruṣa yoga, e em seu daśā conferirá excelentes resultados
em termos de carreira e projeção social, além dos efeitos māraka. Porém, se o mesmo ocupa a sétima,
então além de formar o bhadra mahāpuruṣa, o desgaste na saúde do
indivíduo ou mesmo a morte durante seu daśā ficará ainda mais enfatizado, mas não negará casamento,
parcerias e progresso nos negócios, por exemplo. Portanto, ser māraka não
implica destruição completa dos resultados auspiciosos, ser māraka implica
desgastes a saúde ou mesmo a morte, que coexiste com os demais resultados prometidos pelo planeta em questão. Inclusive, se de fato benéficos regendo
kendras se tornassem maléficos, a maior parte dos mahāpuruṣa yogas seriam
negativos ao invés de auspiciosos, o que é absurdo.
Mas
então, agora nos resta a seguinte indagação:
“Porque
Parāśara atribui uma ordem de maleficência aos planetas benéficos enquanto
regentes de kendras?”
Isso
pode ser respondido exatamente com o que foi dito acima. Percebam que Vênus é o
único planeta que vai reger simultaneamente dois mārakas (áries), ou um māraka
e um dusthāna (escorpião), ou um kendra e um triṣadaya (câncer). Os demais
planetas, Júpiter, Mercúrio e Lua regem apenas kendras, dentre esses a sete que
é māraka, portanto são menos inauspiciosos que Vênus. Ainda sim, isso não
responde o que distingue o malefício de Júpiter ser superior ao da Lua ou o de
Mercúrio enquanto regente de kendra. Para responder isso, precisamos nos
referir ao seguinte śloka:
A
Lua cheia, Mercúrio, Júpiter e Vênus são fortes em ordem ascendente (enquanto
benéficos). – 9.32
Nesse
śloka, Parāśara nos dá a ordem de força dos benéficos para trazer auspícios.
Percebam que essa ordem quando invertida é a ordem de malefício desses enquanto
regentes de kendras. Portanto, a razão de Parāśara atribuir malefício crescente
da Lua à Vênus é o fato de que o benefício desses vai ser perdido devido a
neutralidade dos kendras em ordem igualmente crescente. Com base nessa linha de
raciocínio se pode explicar o fato de benéficos não conferirem resultados
benéficos enquanto regentes de kendras. É, portanto completamente errônea a
noção de que um benéfico se torna maléfico quando rege um kendra, pois ele se
torna neutro e, o que definirá se ele se inclinará ao bem ou ao mau será a sua
outra regência, afinal os kendras indicam os quatro puruṣārthās da vida:
dharma (religiosidade – 1), artha (desenvolvimento econômico – 10), kāma
(satisfação dos desejos – 7) e mokṣa (libertação – 4), e essas quatro metas
podem ser perseguidas de forma virtuosa ou não, o que atesta a neutralidade intrínseca dos kendras.
om tat sat
Interessante a tua abordagem. Tenho ascendente em gêmeos,júpiter em peixes na casa 10. Um benéfico natural nas kendras. Vejo bons resultados relativamente aos assuntos da casa 10.E a minha lua está na casa 1. Posso dizer que sim, depende de como o benéfico maléfico se encontra . Se ele está em signo debilitado pode realmente não ser auspicioso.Se o signo em que ele se encontra for da sua regência creio que essa regra anula.É como se ele estivesse em um lagna que o faz bem. É a minha conclusão.
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