No artigo anterior,
falei sobre os chara kārakas,
explicando porque é uma opção mais segura usar sete e não oito kārakas. Isso era
necessário para poder escrever esse artigo atual, sobre o mais importante dos chara kārakas: o ātmakāraka.
A palavra ātmakāraka é muito significativa, pois ātman se refere a alma, enquanto kāraka é um termo utilizado para
designar um "significador". Portanto, ātmakāraka seria o significador da alma. Mas, isso levanta um problema de ordem filosófica. De acordo com as upaniṣads, o ātman não detém qualquer qualidade material, logo, assumir que um graha representa o ātman seria absurdo. O que então Jaimini quis dizer com isso? A
resposta, no caso, é de que, embora o ātman
não tenha qualidades materiais, quando esse trava contato com māyā, ele assume um estado condicionado
(baddha-avasthā), no qual parece ser
encoberto por uma designação material específica, como a de ser um homem,
mulher, brasileiro, japonês, etc. O ātmakāraka,
portanto, seria o graha que melhor
representaria essa designação adquirida, com a qual a pessoa pode agir e
interagir com o mundo.
Dada essa introdução,
agora vamos a identificação do ātmakāraka
em um jātaka (horóscopo). No
caso, deve-se notar qual graha
atingiu a maior longitude em um signo, ignorando os nodos. Um exemplo: se Sūrya
(Sol) ocupa 29º45' (independente do signo), sendo que nenhum outro graha possui uma longitude superior a
dele, então esse será o ātmakāraka.
Com isso, já se pode inferir que o indivíduo se mostrará identificado ou será
reconhecido pelas características solares, ou seja, ele pode ser um líder nato,
estar envolvido com questões políticas, ser constante, nobre, ríspido,
arrogante, dentre outras coisas que poderão ser determinadas pela observação da
situação geral de Sūrya, i. e., a casa, signo ocupado pelo mesmo, os olhares
que recebe, as conjunções que forma, etc.
Outra coisa muito
interessante que Jaimini menciona a respeito do ātmakāraka é:
sa īśte bandhamokṣayoḥ (1.1.11)
Cujo significado é de que o ātmakāraka
"detém a capacidade de enredar ou libertar o indivíduo", sendo muito
relevante, portanto, no que se refere a condição espiritual de alguém. Porém, o
ātmakāraka não é utilizado apenas
para ver questões de um ponto de vista espiritual. Inclusive, outro termo usado para designar o mesmo é svakāraka, "significador
pessoal", o que também engloba o lagna,
lagneśa, o pada lagna e até mesmo os luminares. Um svakāraka é, basicamente, um graha ou lagna usado para caracterizar o indivíduo e estudar a sua vida de maneira global. Tratam-se de diferentes pontos de partida em termos de análise, o que fica evidente quando estudamos
especialmente o Jyotiṣa phala ratna mala de Kṛṣṇa Miśra, o qual é tão
importante dentro da tradição Jaimini.
Kāraka lagna & svāṁśa
Quando o mapa é
interpretado a partir da posição do ātmakāraka,
o nome que se dá a esse lagna é kāraka lagna, já quando se toma o navāṁśa ocupado pelo ātmakāraka como um lagna no mapa natal, o nome que se dá a esse lagna é svāṁśa ou kārakāṁśa. O cp. 1.2 do Upadeśa sūtra de
Jaimini é inteiramente dedicado a julgar os resultados a partir do svāṁśa, o que se justifica pelo fato de
que a posição do ātmakāraka em um
signo varia muito menos do que a sua posição do navāṁśa, logo, é mais apropriado usar o svāṁśa do que o kāraka lagna
como referência principal.
Infelizmente, hoje em
dia, com a ampla disseminação do conceito equivocado de que os vargas são mapas divisionais, as pessoas
tem interpretado o svāṁśa a partir do
"mapa navāṁśa", o que é
absolutamente errado. Tanto entre os textos que são referência na tradição de
Jaimini quanto também na tradição de Parāśara, não há um exemplo sequer dos vargas sendo usados como mapas
individuais, com casas, conjunções e olhares entre os grahas. Inclusive, no Jātaka sāra saṅgraha, uma importante
referência na tradição de Jaimini, Raghavabhatta deixa mais do que claro que as
posições dos grahas nos vargas devem ser sobrepostas ao rāśi para se obter informações mais
minuciosas. Em momento algum ele usa os vargas
como mapas, mas sim como divisões de um signo.
Para demonstrar,
portanto, como o svāṁśa deve ser
utilizado, incluí logo abaixo o mapa do Mahātma Gandhi:
Notem que Chandra (Lua)
é o graha a deter a maior longitude
no jātaka, estando à 28º22' de
câncer, no navāṁśa de peixes. Assim
sendo, peixes é o svāṁśa de Gandhi e
deve ser tomado como um lagna.
O que
se percebe a partir disso é o seguinte:
(1.1) Jaimini diz que
quando o ātmakāraka ocupa peixes, o
indivíduo alcançará a emancipação ou efetivará uma ascensão espiritual, o que
está de acordo com a história de vida de Gandhi, o qual era hinduísta e
devotado a Śrī Rāma, tendo seguido uma série de votos ao longo de sua vida.
(1.2) Guru (Jup) ocupa
a dois do svāṁśa, sob o olhar de Śani
(Sat), o que lhe outorgou uma graduação em direito, além de tê-lo feito
vegetariano. Ele também detinha algum conhecimento escritural, sendo especialmente
afeito à Bhagavad gītā.
(1.3) Chandra está
junto de Rāhu na cinco e recebe o olhar de Śani. Gandhi teve quatro filhos,
sendo que um desses foi para o exterior e lhe deu muitos problemas. Esse filho
se tornou alcoólatra, inclusive.
(1.4) Sūrya ocupa a
sétima casa, em virgem, o que lhe outorgou um casamento tradicional com uma boa mulher. Porém, como o regente da sete está na oito, conjunto a Maṅgala (Mar)
e o senhor da oito, Gandhi ficou viúvo, já em idade avançada.
(1.5) Maṅgala, Budha e
Śukra (Vên) na oito, sendo que esses também lançam olhares à três, apontam para
o seu assassinato, assim como também ao seu empenho em seguir brahmācharya (celibato) pela maior parte
de sua vida.
(1.6) Śani na nove sob
o olhar de Rāhu, Ketu, Chandra e Guru apontam para o fato de que, embora Gandhi
fosse hinduísta, ele jamais aceitou um guru
ou o abrigo de uma linhagem específica. Para a tradição isso é contrário aos śāstras. Além disso, a luta de Gandhi
foi por uma causa secular e não pelo sanatana-dharma, o que aponta um desvio.
Esse é apenas um breve
exemplo de como o svāṁśa deve ser
interpretado. No caso, tomei por referência sūtras chave para interpretar cada assunto, embora não os tenha
mencionado. Há mais uma série de considerações em relação ao svāṁśa que são mencionadas por Jaimini e
quem quiser conhecê-las deve estudar o cp. 1.2 do Upadeśa sūtra.
oṁ
tat sat
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