sábado, 24 de março de 2018

Os trânsitos difíceis de Śani: sade sati, ardhāṣṭama e aṣṭama

Uma deidade de Śani deva
Sūrya (Sol) possui dois filhos que são encarregados de punir a todos os seres que infringem as leis do dharma: Yāma e Śani. Yāma castiga após a morte os seres que se dedicaram a atividades ímpias, enquanto Śani trata de castigá-los ainda em vida. Não a toa, as pessoas em geral temem os trânsitos de Śani, assim como temem a sua mahādaśā de 19 anos, o que é até certo ponto justificável.

Se consultamos os textos em sânscrito de jyotiṣa vemos que todos os autores em uníssono declaram que os trânsitos de Śani só são auspiciosos quando se dão nas casas três, seis e onze a partir de Chandra, ou seja, apenas uma faixa de sete anos e meio, dentro do ciclo (paryāya) de Śani de vinte e nove anos e meio, ainda sim, com intervalos amplos entre um trânsito e outro. Porém, não podemos generalizar tais efeitos, uma vez que há muitas variações possíveis em termos de resultados e não necessariamente todos os trânsitos definidos como negativos ou positivos para Śani serão de fato fieis a isso. Afinal, temos as daśās (períodos da vida) e as próprias promessas do mapa natal para comparar com os trânsitos, o que já aumenta muito o número de variáveis possíveis, isso sem falar do aṣṭākavarga, um sistema de análise dos trânsitos que atribui pontuações variáveis para cada trânsito, quebrando assim com o esquema quadrado de que apenas os trânsitos de Śani por três, seis e onze são auspiciosos.

Mas, ainda sim, é verdade que certos trânsitos de Śani podem ser bastante difíceis, cruéis e até mesmo fatais. Geralmente, isso se dá quando há uma confluência negativa por parte do trânsito, da daśā regente e também das próprias promessas natais. P. e., quando Śani transita a um, dois, quatro, oito ou doze a partir de Chandra, o indivíduo tende a vivenciar as fases mais difíceis de sua vida, especialmente se a daśā vigente for de um māraka (assassino) ou de um chidra graha[1], ou seja, a daśā do senhor da oito, de um graha na oito, do senhor do 22º drekkāṇa ou do 64º navāṁśa, do dispositor de Gulika ou de um graha relacionado ao mesmo.

Sade sati
O sade sati é, dentre os trânsitos maléficos de Śani, o mais clássico e temido. Ele se dá quando Śani transita as casas doze, um e dois a partir da posição natal de Chandra, o que dura sete anos e meio (sade sati). Em geral, um indivíduo não vive mais do que dois ou três sade sati em sua vida, afinal, entre um sade sati e outro há um intervalo de cerca de vinte e dois anos. Inclusive, há diferenças entre um sade sati e outro, o que fica expresso na terminologia empregada para cada ciclo de sade sati. O primeiro é denominado manda sade sati, onde manda significa 'lento' ou 'preguiçoso', afinal, o primeiro sade sati se dá antes dos trinta anos de idade e compreende a faixa da juventude com todos os seus típicos problemas; o segundo é denominado pongu sade sati, onde pongu significa 'fértil', aludindo a um período de maior empenho, responsabilidade e crescimento que se dá geralmente entre os 30-60 anos de idade; o terceiro sade sati é chamado de kungu sade sati, sendo kungu traduzido como 'gélido'. Esse sade sati se dá entre os 60-90 anos de idade, em média, logo, fala sobre a fase mais gélida da vida, o período vāta, de acordo com o āyurveda, e que demarca o declínio da saúde e até mesmo a morte. Aqueles que sobrevivem a esse sade sati e alcançam o último sade sati vivem entre 90-120 anos de idade. O nome dado ao último sade sati é maraṇa, que significa 'morte', afinal, raríssimos são aqueles que vivem para além dos cento e vinte anos, sobrevivendo ao quarto sade sati.

No que se refere aos efeitos gerais do sade sati, sem considerar as variações dos seus quatro ciclos (paryayas) acima descritos, a primeira fase se dá quando Śani transita a doze de Chandra, o que gera problemas financeiros, separação dos membros de sua família - seja por distância, morte ou diferenças -, perdas, insônia e pesadelos, viagens contínuas, desgastantes e sem propósito claro, muitas despesas, preocupações e ansiedades, dificuldades profissionais, habilidade e inteligência reduzida, muitas aflições e doenças. Na segunda fase, o trânsito de Śani por Chandra evoca riscos para a vida do indivíduo, uma aparência pálida e desprovida de vigor, relações antagônicas com as pessoas, temor, humilhação, doenças, acidentes, dificuldades familiares, tristezas, rejeição social e por parte dos familiares, viagens sem rumo, instabilidade profissional, desequilíbrio psicológico e mudança de residência. Por fim, durante o trânsito de Śani pela dois de Chandra, o indivíduo vivencia muitos problemas financeiros e familiares, seus filhos ou esposa podem sofrer com problemas de saúde, sua reputação é manchada por se envolver com coisas ilícitas para resolver seus problemas, há risco de divórcio ou viuvez, exaustão devido a trabalho árduo, etc.

É óbvio que esses são resultados gerais e que para serem confirmados dependem de uma análise mais cuidadosa. O fato é, sempre há algo de desagradável durante o sade sati, mas isso não necessariamente nega eventos positivos, afinal, sete anos e meio é um período muito amplo e que sem dúvida compreenderá felicidades e conquistas, uma vez que todos os demais fatores podem contribuir para isso, como p. e., determinados trânsitos de Guru, certas daśā bhuktis e os próprios yogas presentes no mapa.

Ardhāṣṭama & aṣṭama Śani
Quando Śani transita a quatro a partir de Chandra, esse trânsito é denominado ardhāṣṭama Śani, enquanto o seu trânsito pela oito denomina-se aṣṭama Śani. Ambos os trânsitos são negativos, de acordo com a tradição, no entanto, o ardhāṣṭama é descrito como sendo laghu ou seja, mais leve do que o aṣṭama, o qual é denominado também como kaṇṭaka (espinho, picada ou obstáculo), aludindo ao fato de ser doloroso como o ferimento causado por um espinho ou a picada de uma serpente ou inseto venenoso.

Em relação aos seus efeitos, o trânsito de Śani pela quatro de Chandra evoca problemas com o governo, perdas ou prejuízos ligados a propriedades, veículos, gado e ou terras de cultivo, as reservas financeiras se esvaem e o indivíduo deixa o lar ou país movido por eventos desagradáveis como divórcio, desavenças ou dificuldades profissionais; as mulheres próximas ao mesmo podem sofrer, incluindo sua mãe ou esposa; desequilíbrios de vāta se dão, causando medo, apreensão, ansiedade e doenças como reumatismo, depressão e outros. Há também o distanciamento, desentendimento ou a perda de amigos e parentes, além de constantes perturbações mentais, causadas por pensamentos pecaminosos, tristes e cruéis.

Durante o aṣṭama Śani experiências dolorosas se dão e que podem ser comparáveis a morte. O indivíduo sofre com problemas digestivos, escassez financeira, há problemas para amigos e parentes, instabilidade e iniciativas mau sucedidas, problemas envolvendo os filhos, oposição do governo, obstáculos e o medo da morte, de ser preso ou restringido de alguma forma. Além disso, doenças, hostilidade entre os seus, litígios, multas, mudanças indesejáveis de localidade, vícios, problemas com mulheres vis, roubo, divórcio, viuvez e imoralidade prejudicam o indivíduo durante tal trânsito.

Assim como o sade sati, ardhāṣṭama e aṣṭama Śani também possuem o potencial de matar, desde que hajam as confluências necessárias para isso. Inclusive, uma coisa importante que notei é de que quando Śani transita a oito, por exemplo, se ali estiver um determinado graha/bhāveśa, podemos considerar que os temas a que se relaciona e rege a partir do lagna serão negativamente afetados durante tal trânsito, assim como a casa a partir do lagna. O mesmo pode ser aplicado em relação a doze de Chandra.

P. e., se o regente de quatro do lagna ocupa a oito ou doze de Chandra, durante o trânsito de Śani os temas de quatro serão negativamente afetados, ou seja, o indivíduo pode sofrer acidentes ou ter prejuízos com carros, problemas com propriedade, dificuldades para a mãe, etc. Logo, por cruzar os dados inteligentemente é possível prever quais temas mais especificamente serão afetados pelo trânsito de Śani.

Na Phaladīpikā e no Deva keralam, inclusive, os trânsitos de Śani são avaliados considerando os trikoṇas do rāśi e do navāṁśa a partir do ponto transitado e identificando a partir disso quais grahas/bhāveśas se situam ali. A partir disso é possível determinar o que exatamente será afetado por tais trânsitos. Essa é uma técnica inteligente e que pode ajudar a alcançar resultados mais precisos.

Om tat sat



[1] Chidra é algo que foi perfurado, que contém buracos e imperfeições. Esse termo é usado para se referir aos grahas que podem causar grandes danos a um indivíduo.

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