Dentre os grahas, os
mais difíceis de compreender e interpretar são, sem dúvida alguma, os chāyā-grahas: Rāhu e Ketu, afinal, são sombras
(chāyā), desprovidos de tangibilidade.
Nos clássicos, inclusive, é dito que os nodos são nebulosos e de uma compleição
escura, o que nos remete ao mistério, a coisas veladas e de difícil percepção.
Visando esclarecer um pouco mais sobre os nodos, falarei nesse artigo especialmente sobre a natureza de Ketu, pontuando também certas regras para a sua interpretação, uma vez que a algum tempo atrás já escrevi sobre Rāhu.
Segue o que entendo de
Ketu:
(1) Diferente de Rāhu que é caótico, ativo e extravagante, Ketu é o seu extremo oposto (literalmente), pois sendo introvertido, busca um autocontrole obsessivo, premeditado e que pode chegar ao ponto da implosão. Sua natureza é passivo-agressiva, pois não age, apenas testemunha, demonstrando um contínuo mas resignado descontentamento onde se situa. Uma vez que não tem iniciativa, seus efeitos também acabam sendo negativos e consequenciais.
P. e., se Ketu ocupa a segunda casa o indivíduo pode vir a conter as suas palavras ao ponto de viver verdadeiras implosões internas, evitando de pôr para fora aquilo que gostaria de dizer ou pensa. No entanto, sua expressão facial ou silêncio muitas vezes deixará claro que está descontente com algo, embora persista em não verbalizar o que se passa. Tal comportamento pode gerar, p. e., problemas de garganta, quando no ápice da implosão.
(2) Nos clássicos é
dito que Ketu representa indivíduos de casta mista, e que, portanto, sentem-se
deslocados ou alienados do meio social. Esse sentimento se transporta para os
temas que Ketu afeta no mapa e que a depender das demais influências sobre o
mesmo podem levar a uma sensação de liberdade ou a marginalização, ao torpor e
a desorientação.
Quando Ketu influencia um graha, p. e., esse tem seus significados prejudicados e sua expressão adquire contornos apáticos, excêntricos, uma vez que Ketu é desligado, indiferente e nada convencional. Basicamente, Ketu desliga/liberta o graha de suas preocupações convencionais e externas, de forma forçosa, abrupta e incoerente quando sob influência de um graha maléfico, ou natural, consciente e espiritualizante quando sob influência de um graha benéfico. Nesse caso, é importante notar também se Ketu ocupa um signo benéfico ou maléfico, uma vez que isso também incide sobre a natureza da sua influência que poderá ser libertadora ou degradante.
(3) Parāśara diz que Ketu e Rāhu são semelhantes, uma vez que são os dois extremos de um único eixo (a intersecção da órbita lunar com a eclíptica), dessa forma, há uma série de significados descritos nos clássicos que cabem tanto a um nodo quanto ao outro. Esses significados são basicamente: compulsão, irregularidade, descaso com costumes e limites sociais, alienação, inconsciência, medos, fobias, pesadelos, conhecimento espiritual e esotérico, imoralidade, doenças e desequilíbrios mentais, envolvimento com pessoas vis ou de classe inferior, marginalização, adições e maus hábitos, venenos, descontentamento, desilusões, parasitas, espasmos, mudanças radicais, doenças incuráveis ou de difícil diagnóstico, roubo, extremismo, assassinato, aprisionamento, magia, úlceras, câncer e doenças de pele.
No entanto, há também características completamente opostas entre a natureza de Rāhu e Ketu, pois embora formem um único eixo, como foi dito acima, tratam-se de pólos opostos e complementares um ao outro. Logo, qualquer ideia propagada por aí como "você deve cultivar o seu Rāhu para evoluir" ou "você deve cultivar o seu Ketu para se libertar" é apenas enganação e equívoco, uma vez que ambos são complementares e igualmente importantes.
(4) Da mesma forma que o ascendente e o descendente são os pontos de intersecção do horizonte terrestre com a eclíptica, Rāhu e Ketu são os pontos de intersecção da eclíptica com a órbita lunar. Logo, Rāhu e Ketu estão para Chandra assim como o lagna e o descendente estão para Sūrya. O que isso significa? Basicamente, Rāhu e Ketu descrevem o destino da consciência, do egoísmo (Rāhu) a rendição (Ketu), enquanto o lagna e o descendente tratam do destino do corpo, que vai do nascimento (lagna) a morte (descendente). Quem esclarece esse ponto é Ernst Wilhelm em seu Graha sutras.
Não a toa Ketu é um graha de importância fundamental nos jātakas (horóscopos) de sādhakas (praticantes espirituais) e sādhus (santos). P. e., Ketu na doze do lagna, ātmākāraka ou ārūḍha é uma das configurações que pode conferir mokṣa - libertação do ciclo de nascimentos e mortes -, especialmente quando em signos de água ou fogo e sob influência de um graha benéfico como Śukra ou Guru.
(5) Embora Ketu guarde consigo um significado espiritual, deve-se entender que a maior parte dos horóscopos manifestará sua faceta mais problemática, ao invés da faceta sublime e transcendente. Mas infelizmente, o que vejo por aí são inúmeras descrições da natureza de Ketu e de seus efeitos que ignoram completamente aquilo que está dito nos clássicos e que foi consubstanciado por inúmeros autores contemporâneos respeitáveis, como B. V. Raman, Girish Chand Sharma, P. K. Vasudev, James Braha, R. Santhanam e outros.
Muitos estudantes e astrólogos dos dias de hoje retratam apenas metade de Ketu, descrevendo-o como um graha sublime e imaterial que a tudo liberta e eleva, enquanto Rāhu é o vilão cruel. Na verdade o que vemos em sua maior parte em relação aos efeitos de Ketu é desorientação, decadência, excentricidade, desespero e apatia.
P. e., quando Ketu ocupa o lagna, ārūḍha lagna ou está conjunto ao lagneśa o indivíduo incorporará muitas das características intrínsecas de Ketu, tais como excentricidade, temor, apatia, ingratidão, descontentamento, uma expressão compulsivamente contida, desorientação, risco de decadência, imoralidade e marginalidade, envolvimento com pessoas vis e de classe inferior, insegurança e uma presença apagada e distante, etc. No entanto, se Ketu ocupa um signo benéfico ou está sob a influência de um graha benéfico, os bons atributos como intuição, autocontrole, sensitividade, capacidade de abstração e interiorização se tornarão mais proeminentes, favorecendo as inclinações mais sublimes e espirituais de Ketu, embora o caráter problemático do graha não deixe de transparecer em certos pontos, afinal, trata-se de um graha maléfico.
Mesmo no caso de sādhus onde Ketu se destaca de alguma forma, um comportamento excêntrico e distante ainda pode ser notado. Inclusive, tendem a ser vistos com estranheza e repulsa por aqueles que não tem educação espiritual e que vivem atados a máscaras sociais e a valores materiais, pois Ketu é justamente o graha que desafia a lógica e todo tipo de convenção, uma vez que vive além das regras e do que se diz "normal".
(6) Uma característica notável de Ketu é a sua influência desagregadora, que desmaterializa, desmembra e desumaniza o que toca, afinal, sua meta última é a transcendência, o que implica ir além do próprio homem e de todos os seus constructos mentais, sociais, etc. No caso de um sādhaka isso o levará a contemplar a natureza última e transcendente das coisas por meio de uma refinada percepção abstrata e espiritual. Porém, no outro extremo estão os marginais que, por destruírem ou abandonarem todo tipo de referência, perdem o caminho e vivem à margem, degradados, doentes, excêntricos e excluídos.
Logo, pode-se relacionar Ketu tanto a transcendência com toda a sua beleza sublime, quanto ao abuso de intoxicantes, a esquizofrenia e outros tipos de perturbações severas da mente. Tudo isso se adéqua perfeitamente ao simbolismo de Ketu, enquanto alguém que em seu mito teve a sua cabeça decepada, estando fadado a viver eternamente desmembrado e desconectado de todo raciocínio. Por sinal, isso também nos permite relacionar Ketu a terroristas e religiosos fundamentalistas, pois esses também vivem desconectados da razão e são os maiores fomentadores de um verdadeiro desmembramento ou cisão social.
(7) No que se refere a dignidades, não há consenso nos clássicos quanto a qual seria a regência, exaltação e debilitação de ambos os nodos. Em minha prática pessoal percebo que ignorar as dignidades, assim como os aspectos, no caso dos nodos, é o melhor a se fazer, pois não vejo diferenças de força significativa neles a partir do signo ocupado e nem mesmo vejo eficácia nos ditos aspectos que lançam.
Inclusive, algumas pessoas dizem que Rāhu e Ketu olham a sete a partir um do outro, o que é absolutamente inconsistente, uma vez que se Ketu olha Rāhu e vice-versa, como poderemos distinguir os efeitos de um e de outro? Basta dizer que, se um graha está com Ketu, ele está entre os nodos e sob influência de Ketu, ou se estiver com Rāhu, o contrário é que será válido. Dizer que os nodos se olham e não dizer nada é praticamente a mesma coisa.
Para determinarmos os efeitos dos nodos devemos simplesmente ver a natureza do rāśi e bhāva que ocupam, o(s) graha(s) que os influenciam e também a força e posição de seus dispositores.
(8) Nos clássicos, pontua-se que Ketu confere bons resultados em signos benéficos, sob influência de benéficos e em triṣaḍāyas, ou seja, nos bhāvas três, seis e onze. Nos demais bhāvas seus resultados são predominantemente negativos, o que é agravado se ele estiver em signo maléfico ou sob a influência de um graha maléfico. No entanto, se Ketu ocupar um kendra sob a influência de um senhor de koṇa ou um koṇa sob a influência de um senhor de kendra, atuará como um yogakāraka, conferindo rāja yoga quanto aos assuntos relacionados e durante a sua daśā. Nos dusthānas (com uma certa exceção da seis) e mārakas, Ketu geralmente confere ansiedades, problemas de saúde, perdas, fracassos e risco de morte.
(9) Durante a mahādaśā de Ketu, é comum nos libertarmos do que ele influencia, o que pode ser desde algo físico como um dente que não tem mais utilidade, como também coisas materiais, relacionamentos, padrões emocionais, crenças, etc. Mas é importante salientar que se Ketu estiver relacionado a grahas benéficos e fortes, assim como bem colocado, então em sua daśā o indivíduo conquistará muitas coisas materiais também, gozará de status, etc., embora sua participação em tais eventos possa ser simplesmente passiva, ao invés de ativa. Ou seja, tratam-se de ganhos e conquistas geralmente consequenciais de karma passado, ao invés de esforços presentes. No entanto, mesmo em tais condições, a mahādaśā de Ketu favorece um maior grau de introspecção e espiritualização, desde que preserve consigo algum auspício. Caso contrário, a desorientação e destruição pessoal podem se manifestar em tal período, afinal, a serpente (Rāhu e Ketu) é tanto símbolo de vida quanto de morte.
Com esse artigo espero
que possam ter uma ideia mais clara da natureza e dos efeitos de Ketu em um
jātaka. O escrevi baseando-me em experiência pessoal, inúmeras referências clássicas e também nos escritos de alguns astrólogos contemporâneos, como James Braha, Barbara Pijan e Ernst Wilhelm.
Om
tat sat
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