No início dos meus
estudos de jyotiṣa, algo que me atraía muito era a possibilidade de usar
os vargas, que na época eu entendia como mapas divisionais. Dentre os vargas,
o que mais chamava a atenção era o ṣaṣṭyāṁśa, que consiste na divisão de
um signo em sessenta partes de 0º30' cada. Essa atração se dava pelo simples
fato de que, além de ser o mais sutil dos vargas, onde o ṣaṣṭyāṁśa do
lagna (asc.) muda a cada um ou dois minutos, em média, o ṣaṣṭyāṁśa
é descrito na versão contemporânea do Bṛhat Parāśara horā como sendo um varga
que trata de todos os assuntos.
Pois bem, isso que
descrevi se referia as minhas impressões iniciais. Vejo várias pessoas que recém
iniciaram seus estudos com esse mesmo tipo de fascínio que eu também já tive.
Inclusive, já ocorreram situações em que invés da pessoa me enviar o seu mapa
natal (rāśi) para consulta, ela me enviou o seu ṣaṣṭyāṁśa, tamanha a
importância que alguns vieram a atribuir a esse varga nos dias atuais, que devo deixar
bem claro, se deve a uma apresentação equivocada do tema.
Porque digo que essa
visão é equivocada? Por várias razões, mas a primeira se refere ao fato de que
os vargas jamais foram exemplificados nos clássicos como mapas à parte do
mapa natal, mas sim como meras divisões de um signo. Ou seja, invés de se
construir um mapa à parte com as posições dos grahas projetadas nesse, o
que os astrólogos do passado faziam era analisar coisas como: "Guru ocupa
a casa um, no signo de câncer e navāṁśa de Śani (no caso, capricórnio ou
aquário)", ou seja, eles usavam dos vargas como subdivisões de um
signo, sempre em função das posições natais e não de posições virtuais, como
ocorre quando usamos os vargas, enquanto "mapas divisionais". Inclusive,
já cheguei a abordar isso em um artigo passado, o qual pode ser acessado
clicando aqui.
Outra razão pela qual o uso moderno do ṣaṣṭyāṁśa, sem dúvida alguma, trata-se de um uso equivocado, é o fato de que mesmo que viéssemos a usá-lo como um "mapa divisional", ou seja, com casas, signos, conjunções e aspectos, precisaríamos de um horário de nascimento com altíssimo grau de precisão, pois como disse, o ṣaṣṭyāṁśa do lagna muda em cerca de um, dois minutos. A maior parte das pessoas tem o horário de nascimento arredondado em cinco, dez ou mais minutos, o que já tornaria inviável o uso do ṣaṣṭyāṁśa sem que antes fosse realizada uma retificação minuciosa e, devo confessar, sempre duvidosa, pois as técnicas de retificação não são completamente confiáveis.
Por sinal, não só o
horário de nascimento é um problema para a obtenção do ṣaṣṭyāṁśa do lagna,
pois o ayanāṁśa (cálculo de precessão usado por todo sideralista) também
impõe outra dificuldade, afinal, ninguém tem absoluta certeza sobre a precisão
do ayanāṁśa, o qual incide diretamente sobre a posição dos signos zodiacais
e, consequentemente, sobre o ṣaṣṭyāṁśa, a mais sutil das divisões do
zodíaco. O que se sabe sobre essa questão ou melhor, o que é aceito pela maior
parte dos astrólogos, é que o valor atual do ayanāṁśa ficaria entre -22º
e -24º, em média. Alguns favorecem mais os ayanāṁśas com valor médio de
-22º, baseados no Sūrya siddhānta (que é o caso do B. V. Raman), enquanto
outros optam pelos ayanāṁśas com valor médio de -24º, baseados no lahiri
ayanāṁśa. Porém, quer o astrólogo opte por um desses ayanāṁśas ou
qualquer outro, a precisão desses em termos de minutos pode muito bem estar errada, o que incide sobre o ṣaṣṭyāṁśa, o qual depende de uma precisão de minutos.
Agora, vou expor o
último e derradeiro argumento sobre porque o ṣaṣṭyāṁśa tem sido utilizado
e propagado de uma forma incorreta. Se consultamos os textos onde o ṣaṣṭyāṁśa
foi mencionado, notaremos que, em primeiro lugar, o ṣaṣṭyāṁśa não é um
mapa, como já esclareci no primeiro argumento e, em segundo lugar, perceberemos
que não foi dada por parte dos astrólogos clássicos praticamente nenhuma
importância ao signo ocupado por um graha no ṣaṣṭyāṁśa, tanto é que Mantreshvara e Vaidyanatha nem sequer consideram signos em seu cálculo do ṣaṣṭyāṁśa, mas apenas as divindades - outra prova de que não há "mapas divisionais". O que os astrólogos clássicos observavam era apenas a divindade regente do ṣaṣṭyāṁśa ocupado pelos grahas ou pelo lagna. Essas divindades se dividem em saumya
(gentis) e krūra (cruéis), totalizando sessenta, sendo que alguns nomes
se repetem, logo, não há sessenta divindades, cada uma com um nome exclusivo,
mas um pouco menos que isso.
Bṛhat Parāśara horā,
Phaladīpikā, Jātaka pārījāta e Sarvārtha chintāmaṇi são textos que
mencionam o ṣaṣṭyāṁśa. Desses, o Jātaka pārījāta e o Sarvārtha chintāmaṇi
são os que tratam do assunto mais extensivamente, pois dedicaram dezenas de versos
a detalhar os resultados de certas configurações envolvendo os ṣaṣṭyāṁśas.
Vejam aqui alguns exemplos:
Jātaka pārījāta
O senhor
de três em um krūra ṣaṣṭyāṁśa gera
doenças do ouvido. - 6.67
O senhor
da dois combusto, em nīcha e em um krūra ṣaṣṭyāṁśa envolverá o indivíduo em
dívidas. - 11.64
Quando o
senhor da dois, junto de um krūra graha,
ocupa dāvāgnī, daṇḍāyudha ou kāla ṣaṣṭyāṁśa em
um nīcha navāṁśa sob o olhar de um krūra graha, o indivíduo será um glutão.
No entanto, se o senhor da dois estiver conjunto ou sob o dṛṣṭi de um śubha graha,
tais males não ocorrerão. - 11.91
O senhor
da quatro em um mṛdu ou outros śubha ṣaṣṭyāṁśas denotam uma mente pura
e calma. - 12.95
O senhor
da cinco em um ṣaṣṭyāṁśa cruel denota
infelicidade para o pai. - 12.55
Sarvārtha chintāmaṇi
O senhor
da dois em um krūra ṣaṣṭyāṁśa sob a influência
de um nīcha graha faz o indivíduo
comer à porta dos outros e aceitar alimentos insípidos. - 03.141
Senhor de
três e Maṅgala em nīcha navāṁśa,
conjunto aos krūra grahas e ambos em krūra ṣaṣṭyāṁśa, denota vida curta para os irmãos. - 04.03
O senhor
da três sob a influência de krūra grahas,
enquanto o senhor da três a ocupa em um krūra
ṣaṣṭyāṁśa, denota a
destruição dos irmãos. - 04.09
O senhor
da três em nīcha rāśi ou em krūra ṣaṣṭyāṁśa conjunto a krūra grahas e sob a influência de
outros desses grahas, denota incapacidade em batalhas. - 04.36
Interessante, não? Notem que em nenhum exemplo o ṣaṣṭyāṁśa é
usado como um mapa, mas sim como uma divisão de um signo. Isso, por sinal, se
aplica a todos os vargas, pois dentre os mais de dez textos clássicos
que já estudei, todos eles abalizados, não encontramos uma menção sequer que
contrarie isso. Todos e absolutamente todos eles tratam os vargas
como divisões de um signo. Inclusive, dois astrólogos que admiro muito,
Shanmukha Teli e Guru Rajesh Kotekal, me confirmaram que, de fato, o uso
dos vargas nos dias atuais como mapas divisionais é equivocado e não
encontra suporte em nenhum texto clássico, isso inclui os textos de
Jaimini jyotiṣa como Upadeśa sūtra, Jātaka sāra saṅgraha, Jātaka phala ratna
mala, Kalpalatha, etc.
Mas, enfim, compreendido isso podemos partir para uma análise objetiva
de como o ṣaṣṭyāṁśa deve ser usado: basicamente, devemos notar se a
divindade que preside o ṣaṣṭyāṁśa ocupado por um graha é saumya
ou krūra, o que gerará bons ou maus resultados, respectivamente. Simples
assim. Não há nada além disso, muito menos a possibilidade de se ler a vida
passada da pessoa como afirmam especulativamente alguns astrólogos.
Isso posto, agora temos um outro problema: não há concordância absoluta
entre os textos clássicos sobre qual seria a ordem dos ṣaṣṭyāṁśas e
também no que se refere aos nomes de algumas divindades. Se observamos as
listas presentes no BPH, Phaladīpikā, Jātaka pārījāta e Sarvārtha chintāmaṇi,
fica claro que em relação a certos ṣaṣṭyāṁśas há discordâncias.
Por exemplo, na Phaladīpikā é dito que o quinto ṣaṣṭyāṁśa é saumya,
enquanto que no Sarvārtha chintāmaṇi esse é definido como krūra. Inclusive,
a partir do 40º ṣaṣṭyāṁśa, a lista do Sarvārtha chintāmaṇi difere em
muito das demais, o que pode ter se dado em função de alguma corrupção da lista
ocorrida na época (ou não). Portanto, em vista de todas essas questões, fica
mais do que evidente que o uso do ṣaṣṭyāṁśa ainda está marcado por
muitas dúvidas. Há uma série de lacunas no assunto que só poderão ser
resolvidas por meio de pesquisas rigorosas. O problema todo é que uma pesquisa
desse tipo não é nada fácil de ser realizada. A tendência natural é escolher
uma lista de ṣaṣṭyāṁśas, um ayanāṁśa específico e crer que essa é a melhor escolha. Por essas e outras é que eu não atribuo tanta
importância ao ṣaṣṭyāṁśa em minhas análises e, geralmente, me detenho a
usar apenas ṣaḍ ou saptavarga, que no caso incluem apenas rāśi,
horā, drekkāṇa, saptāṁśa (no caso de saptavarga), navāṁśa,
dvādaśāṁśa e triṁśāṁśa, vargas esses que não demandam um alto grau de precisão tanto do horário de nascimento quanto também do ayanāṁśa.
oṁ tat sat
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