O jyotiṣa, sendo uma astrologia de origem
indiana, naturalmente se apoia nos Vedas, Purāṇas, Itihasas e nas Upaniṣads,
tanto para sustentar-se filosoficamente quanto também para recomendar upayas
(medidas pacificadoras). Logo, sem entender o que a literatura clássica tem a
dizer sobre coisas como a natureza do tempo, deste mundo, do karma, etc., não há
como praticar o jyotiṣa em bases substanciais. É essencial entender a referência maior do jyotiṣa, é a literatura
clássica. Logo, qualquer argumentação deve se dar tomando-a por base.
Nesse contexto, em relação a natureza do tempo, por
exemplo, vemos que há diferentes opiniões entre os astrólogos. Alguns aceitam o
determinismo radical, outros o determinismo moderado e há aqueles que acreditam
que os astros apenas inclinam e não determinam nada.
Como solucionar um problema como esse? O primeiro passo é consultar o śabda, ou seja, Vedas, Purāṇas, Itihasas e
Upaniṣads. Dentre essas referências, prasthāna-traya, isso é, a Bhagavad
gītā, certas Upaniṣads e o Vedānta sūtra são literatura padrão para todas as tradições de
vedānta. Dessas referências, a Bhagavad gītā é a mais excelente, pois além de
ser compacta, é aceita por todas as tradições de Vedānta como o estudo crítico
de toda a literatura clássica. Outra excelente referência é o Bhāgavata purāṇa,
que de acordo com certos Purāṇas - em especial o Garuḍa purāṇa -, é o rei de
todos os Purāṇas e o comentário natural ao gāyatrī, Vedānta sūtra e ao
Mahābharata.
Assim, no que se refere a natureza do tempo, se consultamos o Bhāgavata purāṇa, veremos que ele afirma o seguinte (3.10.11):
maitreya
uvāca
guṇa-vyatikarākāro
nirviśeṣo ’pratiṣṭhitaḥ
puruṣas tad-upādānam
nirviśeṣo ’pratiṣṭhitaḥ
puruṣas tad-upādānam
ātmānaṁ līlayāsṛjat
"Maitreya
disse: o tempo eterno é a fonte primordial das interações dos três guṇas (sattva, rajas e tamas). Ele é imutável, ilimitado e
serve como um instrumento do Puruṣa para a realização de Sua ṣṛṣṭi-līlā (a atividade da criação
material)."
Como fica
evidente no śloka, o tempo é eterno e ilimitado, pois mantém um ciclo infindável de
manifestações e destruições cósmicas, que resultam das expirações e inspirações de Mahāviṣṇu. Além disso, o tempo também é imutável, pois trata-se de uma sequência matemática, portanto rigorosamente envolvida em leis. Na
verdade, o tempo é a própria expressão da lei e o instrumento do
Puruṣa para a manifestação do mundo material, afinal sem ele não haveria dinamismo algum na criação.
Ainda no mesmo canto do Bhāgavata purāṇa, o terceiro, é esclarecido que o tempo não é
uma mera lei do Puruṣa, senão que é a própria expressão externa do mesmo. Assim
como o Paramātmā, a Superalma onipenetrante, é o regulador interno e imanifesto
de todas as coisas, o kāla (tempo eterno)
é a expressão manifesta desse, ou seja, o poder regulador externo que inflexivelmente
cria, mantém e destrói a todas as coisas. Essa afirmação
do Bhāgavata purāṇa ecoa em harmonia com as afirmações da Gītā, dos Upaniṣads e
do próprio Vedānta sūtra, do qual advém, enquanto seu comentário natural.
Com isso, o problema sobre a natureza do tempo está solucionado a nível teórico e cabe ao astrólogo atestar isso por meio de sua própria experiência direta (pratyakṣa), pois as escrituras nos encorajam a buscá-la, assim como um professor encoraja seus alunos a aplicarem o que ele os ensina.
Com isso, o problema sobre a natureza do tempo está solucionado a nível teórico e cabe ao astrólogo atestar isso por meio de sua própria experiência direta (pratyakṣa), pois as escrituras nos encorajam a buscá-la, assim como um professor encoraja seus alunos a aplicarem o que ele os ensina.
Inclusive, uma implicação natural de se compreender um tema como esse, sobre o tempo, é de que, se por exemplo, uma previsão feita por
um astrólogo não se cumpre, logo entenderemos que isso não significa que o
consulente desviou os eventos por sua conduta e práticas ou que ele não
contribuiu para que esses se manifestassem. O que ocorreu, de fato, foi que o
astrólogo errou. Até um certo ponto é perfeitamente aceitável que um astrólogo
erre, mas definitivamente, não é aceitável a ideia de que o consulente tenha
modificado o curso dos eventos, pois isso vai contra toda a referência
escritural e lógica. Além disso, o astrólogo pode usar disso para isentar-se da responsabilidade de prever corretamente, enganando assim a si mesmo e aos demais.
Consultar os śāstras para entender diferentes tattvas, por conseguinte, é
absolutamente essencial se desejamos praticar o jyotiṣa a partir de bases filosóficas seguras. Inclusive, Harihara,
o autor do Praśna mārga, assim como também Varāhamihira e outros astrólogos,
sustentam que o conhecimento dos śāstras,
incluindo os Vedas, Purāṇas, Upaniṣads e Itihasas, é necessário para aquele que
deseja estudar e praticar o jyotiṣa,
que é uma sabedoria holística, ou seja, diretamente relacionada a todos os
demais śāstras. Todo astrólogo,
portanto, idealmente deveria estudar as escrituras de maneira regular, pois isso o ajudará a cultivar
noções sublimes da realidade, além de ser um dos meios pelos quais ele poderá desenvolver as qualidades próprias de sattva
e, assim aconselhar as pessoas que o procuram de uma maneira inteligente e
consubstanciada pela tradição.
oṁ tat sat
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