Me lembro que no começo
dos meus estudos de astrologia, uma das coisas que me intrigou no jyotiṣa, causando curiosidade, foram os
boatos de que por meio dele seria possível ter informações detalhadas sobre a
vida passada e futura. Porém, conforme fui estudando, pude perceber que esse
era em grande parte um mito.
Varāhamihira, em seu Bṛhat-jātaka
(século VI), por exemplo, apresenta um método [ao que tudo indica assimilado de
astrólogos anteriores] pelo qual se poderia decifrar tanto o nascimento passado
quanto futuro[1],
no entanto, trata-se de uma abordagem especulativa e limitada. O nascimento
passado seria determinado pelo senhor do drekkāṇa
de Sūrya ou Chandra, qual detivesse mais força, enquanto o nascimento futuro se
determinaria por meio do graha mais
forte a ocupar a seis ou a oito e, caso nenhum graha ocupe tais casas, então o mais forte entre os senhores do drekkāṇa da seis e da oito é que
determinaria o nascimento futuro.
Sūrya e Maṅgala
indicariam que o indivíduo estaria destinado a renascer na Terra; Chandra e
Śukra, o destinariam à pitṛ-loka (o
plano onde residem os ancestrais); Guru à deva-loka,
enquanto Budha e Śani, à naraka (planos
infernais). No caso, esses mesmos locais relacionados a cada graha são usados como referência para
determinar o nascimento passado.
Essa técnica,
posteriormente foi mencionada também no pūrvakhaṇḍa
do BPH (século VI-VII), em um cp. dedicado a determinação do māraka (o graha responsável pela morte), mas dessa vez apresentando uma variação:
o nascimento futuro também poderia ser determinado por grahas que ocupassem as casas sete e doze, ao invés de se considerar
apenas as casas seis e oito. No entanto, da Sārāvalī (séc. VIII) de Kalyāṇa
Varman em diante, essa técnica não foi mais mencionada. Inclusive, Kalyāna,
embora tenha se referido ao Bṛhat jātaka como uma referência importante, não
apresenta em seu livro qualquer técnica que vise determinar o nascimento
passado ou futuro, o que pode revelar uma certa desconfiança de sua parte em
relação a técnica de Varāhamihira.
Depois de Varāhamihira,
somente no século XV é que Mantreśvara, autor da Phaladīpikā, apresenta uma
nova técnica para determinar os nascimentos passado e futuro[2].
No caso, ele diz que os senhores das casas nove e cinco representam os
nascimentos passado e futuro, respectivamente. O interessante é que sua teoria tem
certo fundamento, pois a nove trata dos mais velhos, daqueles que nos
antecedem, enquanto a cinco, dos que nos sucedem: filhos e discípulos. Logo,
correlacionar essas duas casas e seus senhores a nascimentos passado e futuro
possui alguma lógica. No entanto, essa é também uma técnica de natureza
especulativa e que não foi aderida por astrólogos posteriores. Além dela,
Mantreśvara também faz menção a casa doze e seu senhor como determinadores do
destino após a morte[3], algo
que já havia sido mencionado no BPH e que foi ganhando popularidade entre os
textos clássicos futuros, como Jātaka-pārījāta, Sarvārtha-chintāmaṇi e outros,
incluindo o Upadeśa-sūtra de Jaimini. Porém, assim como a técnica de
Varāhamihira para determinar o nascimento futuro, essa se limita apenas a dizer
se o indivíduo irá para o inferno, para os planos celestiais, se reencarnará na
Terra ou se alcançará mokṣa, não
fornecendo, portanto, informações específicas.
Na astrologia nāḍī, por
outro lado, há algumas técnicas que visam revelar detalhes tanto da vida
passada quanto futura. Uma dessas envolveria determinar o nascimento passado
por regredir a posição de Guru e de Śani [uns consideram apenas Guru] para o
signo anterior, enquanto o nascimento futuro seria analisado pela posição
desses no signo posterior ao do nascimento atual. No entanto, o K. N. Rao,
analisando alguns casos extraordinários de reencarnação, onde ele conseguiu os
horóscopos tanto do nascimento passado do indivíduo quanto atual, demonstrou em
seu livro "Karma & rebirth in hindu astrology" como essa técnica
não é confiável.
Verdade seja dita,
apenas por meio de sādhana (disciplina
espiritual) alguém pode perceber suas vidas passadas ou mesmo a vida futura. No
Yajñavalkya-smṛti e também nos Yoga-sūtras de Patañjali é dito que a vida passada
pode ser acessada pela disciplina do yoga.
Inclusive, Patañjali diz que quando o yogī alcança um estado de perfeito aparigraha (desprendimento completo de
qualquer tipo de posse), então ele pode compreender sua vida passada. Tal
indivíduo é denominado jātismara (que
reconhece o seu nascimento pregresso). Pessoas que morrem de formas violentas e
súbitas, renascendo rapidamente também são capazes de se lembrar por algum
tempo de sua vida passada, de acordo com os śāstras.
Fora isso, há casos excepcionais de indivíduos que alcançaram siddhis que os permitem perceber não só
a sua própria vida passada como também a de outras pessoas, porém, a maior
parte das pessoas que dizem serem capazes de realizar isso são ingênuas ou desonestas.
No que tange os
nascimentos passado e futuro, o jyotiṣa,
portanto só pode oferecer vagas e por vezes duvidosas informações, uma vez que
as técnicas que oferece são especulativas e bastante limitadas. Não recomendo,
em absoluto, que alguém se deixe levar por anúncios de astrólogos que clamam
serem capazes de analisar vidas passadas e futuras, ainda mais quando cobram
por esse tipo de análise. Se os astrólogos em geral mal conseguem prever o que
aconteceu nessa vida e o que ainda está por ocorrer, por falta de habilidade ou
mesmo estudo, o que dizer então de prever vidas passadas e futuras com um
repertório de técnicas especulativas e altamente limitadas? Jamais acredite
nessas informações pretensiosas, principalmente nessa nova de que o ṣaṣṭyāṁśa revela
a vida passada, uma grande invenção, pois Parāśara não só não fala isso em momento algum
como também devemos entender que os vargas não são mapas, mas
sim divisões de um signo interpretadas à luz do próprio mapa natal.
Até um certo ponto, acredito que as técnicas clássicas
de jyotiṣa para prever o destino após a morte podem estar certas [sobre nascimento pregresso, não acho plausível], mas como disse acima, são limitadas e não oferecem detalhes
sobre a vida passada ou futura, pois apenas dizem qual seria o loka (plano) que o indivíduo alcançará após
a morte ou se ele se libertará do saṁsāra.
Já as técnicas da astrologia nāḍī, diria
que oferecem uma resposta simples demais para um problema demasiadamente
complexo. Inclusive, a verdade é que o próprio jātaka (horóscopo) já é um retrato dos frutos do karma realizado em vida pregressa[4],
logo, ele por si só já está nos dando informações sobre o que fizemos anteriormente,
embora os detalhes em si não sejam dados ou facilmente visíveis.
oṁ
tat sat
[1] Bṛhat jātaka, 25.14-15
[2] Phaladīpikā, 14.24-29
[3] Phaladīpikā, 14.21-23
[4] "...karmarjīvaṁ purvabhave sadādī yat tasya paktīṁ samabhīvyanaktī"
'As
configurações dos grahas presentes no
momento do nascimento de um indivíduo são os frutos de suas atividades em vida
passada - Bṛhat jātaka, 1.3'
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