Em seu 'Primer of
Sideral Astrology', Cyril Fagan menciona que o zodíaco tropical, ao que tudo
indica, foi teorizado por Posidonius de Apameia, um discípulo de Hipparchus que
parece ter vivido de 130 a 51 a.C., sendo que posteriormente Ptolomeu, de
acordo com os defensores do zodíaco tropical, teria aderido a essa visão. O
argumento de Cyril Fagan, no entanto, é de que esse é um engano e Ptolomeu, na
verdade, seria um sideralista, pois além dele usar das referências visuais das
constelações em seu Tetrabiblos (algo inaplicável com o zodíaco tropical), à
sua época o ponto vernal estava praticamente alinhado a 00º00' de áries, daí de
muitos terem assumido que Ptolomeu seria um adepto do zodíaco tropical.
Fagan ainda cita que
dos 180 horóscopos gregos que restaram até os dias atuais, mais de dois terços
desses é anterior a Ptolomeu, enquanto o terço restante é posterior a ele,
porém, desses horóscopos todos, pouquíssimos foram calculados usando o zodíaco
de Ptolomeu. Eles ou tomavam por referência o sistema A ou o sistema B, dois
zodíacos denominados tropicais, mas que originalmente eram zodíacos siderais.
Porque? No sistema A o ponto vernal está fixado em 10º de áries, enquanto no
sistema B em 8º de áries, ambas coordenadas encontradas em tábuas astronômicas
que adentraram a Grécia entre 331-327 a.C., através de Callisthenes e que foram
compostas por dois dos maiores astrônomos da Babilônia: Naburianos (Naburiannu)
em 508 a.C. e por Cidenas (Kidinnu) em 373 a.C., respectivamente.
Notem que a diferença
de tempo entre Naburianos e Cidenas justifica a divergência entre ambos sobre
qual seria exatamente o ponto vernal do zodíaco, uma vez que a partir do
cálculo sideral, esses valores corresponderiam aos valores aproximados de
precessão das correspondentes épocas em que esses dois viveram, o que então só
seguiu aumentando até a época de Ptolomeu. Os gregos, no entanto, convictos de
que o ponto vernal deveria estar fixo, aderiram então em sua maior parte ao
zodíaco de Cidenas, enquanto a minoria preferiu utilizar o zodíaco de
Naburianos. Manetho, Manillius, Firmicus Maternus, Vetius Vallens são alguns
exemplos de grandes astrólogos helenistas que fizeram uso do zodíaco de
Cidenas. Além deles, muitos outros que mesmo tendo vivido em épocas posteriores
a de Ptolomeu, seguiram utilizando os zodíacos de Naburianos e Cidenas, sem
compreenderem que esses eram, na verdade, zodíacos siderais.
Nos dias atuais,
justifica-se o uso do zodíaco tropical com o alinhamento dos quatro signos
cardinais/móveis (áries, câncer, libra e capricórnio) com os equinócios e solstícios,
onde com o início do equinócio de primavera e outono, Sūrya (sol) estaria
transitando 0º de áries e libra, respectivamente, enquanto que nos solstícios
de verão e inverno, 0º de câncer e capricórnio, respectivamente. Isso, é claro,
considerando-se o hemisfério norte como referência. Porém, devemos compreender
que essa é uma teoria que remonta aos gregos e que não é, de forma alguma, a
teoria original do zodíaco. Além disso, como Cyril Fagan pontua, há evidências
de que Ptolomeu poderia muito bem ter sido um astrólogo sideralista, ou seja,
ele não necessariamente havia aderido a visão de Posidonius só porque usava um
zodíaco com o ponto vernal em 0º de áries.
Evidências arqueológicas provam que o zodíaco sideral foi a opção original entre os astrólogos babilônios e egípcios, inclusive. No fim do século XIX e começo do século XX, uma grande coleção de tábuas astronômicas babilônias foram escavadas da grande livraria astrológica de Ashu-bani-pal (668-626 a.C.) em Nineveh, fora outras que também foram encontradas em diferentes partes da Mesopotâmia. Essas tábuas apresentavam longitudes que haviam sido calculadas não com base em um sistema tropical, mas sim sideral. O mesmo é testemunhado nas tábuas Stobart e no papiro Berlin P8279 do antigo Egito.
Os mais antigos
horóscopos advém da Babilônia e também haviam sido calculados com longitudes
siderais. O mais antigo desses horóscopos é de 29 de abril de 410 a.C.,
enquanto o último deles data de 1 de março de 142 a.C. Isso prova de uma vez por
todas que o zodíaco tropical em si foi teorizado posteriormente por Posidonius. Além do que, ainda que todos os horóscopos gregos que
sobreviveram até os dias atuais sejam tropicais, suas longitudes na verdade
tomavam por referência os valores siderais dos sistemas A e B de Naburianos e
Cidenas, o que revela, ao menos em relação a esse ponto, uma certa ignorância por parte dos astrônomos/astrólogos gregos quando comparados aos sábios astrônomos/astrólogos babilônios.
O único povo que manteve
a tradição sideralista foi o povo indiano, que inclusive já era consciente da
precessão dos equinócios a milênios, como fica claro em textos como o Vedānga
jyotiṣa (aprox. 1100 a.C.), que embora não fosse exatamente astrológico,
continua sendo uma referência importante quanto à perspectiva do céu que os
antigos possuíam e que acabou sendo preservada também na tradição astrológica, como podemos testemunhar em
textos posteriores como o Bṛhat saṁhitā de Varāhamihira ("o primeiro" grande nome do jyotiṣa, que viveu no século VI) e o pūrvakhaṇḍa do Bṛhat Parāśara horā śāstra (VI-VII), no qual o
ayanāṁśa (o cálculo de precessão do método sideralista) é mencionado. Além disso,
Āryabhaṭa I, Bhāskara I, Brahmagupta e todos os demais autores de diferentes
siddhāntas (tratados astronômicos) que precedem Varāhamihira ou são
posteriores a ele, se preocuparam com a determinação do ayanāṁśa e usaram do
mesmo como referência para seus cálculos de longitudes.
A conclusão, portanto,
é de que o zodíaco sideral esteve presente no gênesis da astrologia natal, que se deu
entre babilônios e egípcios; posteriormente ele foi incorporado pelos indianos,
os quais já estavam familiarizados com cálculos astronômicos siderais, embora não tivessem um
zodíaco - ao invés disso eles se valiam de um sistema de vinte e sete asterismos, denominados nakṣatras - e nem mesmo um sistema de astrologia natal bem desenvolvido. Já entre os
gregos, afora a possibilidade (sim, não é uma certeza) de que Ptolomeu tenha sido um sideralista, o zodíaco sideral foi esquecido ou simplesmente ignorado, pois inspirados
na teoria de Posidonius, os gregos passaram a se valer de um zodíaco tropical, o que
perdura até hoje no ocidente, tendo sido também a opção dos astrólogos do
período medieval e renascentista da tradição denominada ocidental. Quem está errado? Não sei dizer. Possivelmente essa é apenas mais uma questão envolvendo perspectivas diferentes.
Fonte:
Primer of sideral astrology - Cyril Fagan
oṁ
tat sat
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