quarta-feira, 6 de julho de 2016

Combustão (astangata)

Quando um graha encontra-se muito próximo a Sūrya (Sol), ele é determinado combusto (asta), ou seja, não pode ser visto a partir da Terra, pois se encontra ofuscado pelos raios solares. Abaixo eu ofereço algumas explicações a respeito dessa condição:

(1) Assim como a debilitação (nīcha) e a ocupação de um signo inimigo (śatru rāśi), a combustão é vista como uma aflição. Inclusive, os grahas combustos são denominados kopa, isso é, "irados". Percebe-se no indivíduo uma irritação quanto aos temas do graha combusto, o que pode se agravar ou não a depender da força de tal graha e dos olhares que recebe. Kalyana diz (05.12, Sārāvalī) que um graha combusto está mutilado (vīkala) e os seus resultados serão a perda de posição, um coração imundo, pobreza, uma natureza errante e temor em relação a inimigos. É claro que isso depende de muitos outros fatores. Além disso, os maus efeitos da combustão são sentidos especialmente na daśā (período) de tal graha.

Um ponto interessante, citado na tradição helenística é de que quando um graha se encontra combusto, mas domiciliado (ou mesmo exaltado), ele estaria “em sua carruagem”, ou seja, protegido de efeitos mais adversos, assim como alguém é protegido da influências dos raios solares quando viaja durante o dia dentro de uma carruagem.

(2)  As orbes de combustão variam de um graha para o outro. O Sūrya siddhānta indica as seguintes orbes: 17º, 14º, 11º, 8º e 15º para Marte, Mercúrio (12º quando retrógrado), Júpiter, Vênus e Saturno, respectivamente. No entanto, na tradição do Hart de Fouw aprendi algo muito interessante e válido: a combustão é significativa a partir de 10º, severa a partir de 6º e muito severa a partir de 3º.

(3)  Geralmente a combustão afeta mais os temas de que o graha é kāraka, assim como a casa que o mesmo ocupa. A menos que o graha esteja muito aflito, ele não irá negar os temas das casas que rege no mapa[1].

(4)  Sendo o Sol um graha quente, seco e de uma luminosidade ofuscante, a sua influência tem a capacidade de inflamar e separar tudo o que toca. É comum vermos pessoas com Vênus combusta viverem divórcios ou sofrerem com a separação geográfica de quem amam. Quando Júpiter está combusto, isso pode negar filhos ou afastar os mesmos, etc. Geralmente o distanciamento que o Sol causa se dá devido ao egoísmo ou, sob sua melhor expressão, em função de uma necessidade de individuação, de se ver livre de dependências e referências externas que venham a obstruir o desenvolvimento pessoal.

(5)  Um graha que se encontre combusto, sob a influência de maléficos e de um graha inimigo é denominado kṣobhitā - agitado. Parāśara diz (45.24-29, BPHS) que os resultados que tal graha confere são aguda penúria, uma disposição cruel, misérias, fiascos financeiros, aflições aos pés e obstruções financeiras causadas pela ira do governo. Obviamente, a influência de um graha benéfico minimizará a severidade dos sofrimentos, os quais serão especialmente experimentados na daśā (período) do graha em kṣobhitā-avasthā.

(6)  A depender das regências do Sol e do graha combusto, bons yogas podem se formar entre ambos. Por exemplo, se o Sol é regente de um koṇa e o graha combusto de um kendra, ambos formarão um rāja yoga. No entanto, isso não nega algum tipo de sofrimento ligado aos temas do graha combusto.

(7)  Visto que o graha combusto está oculto pelos raios do Sol, ele trará consigo uma influência velada. Por exemplo, se tal graha significar uma doença, essa será de difícil diagnóstico. Também vemos os grahas combustos representando aspectos individuais em conflito e que o indivíduo tende a projetar sobre o mundo, ao invés de enxergá-los em si mesmo.

(8)  Os autores medievais da tradição ocidental de astrologia consideravam que um graha conjunto ao Sol a uma distância de no máximo 17’ estava protegido (muitos consideram uma orbe mais extensa, de 1º). Esse tipo de conjunção é denominada cazimi, do arábico kaṣmīmī que significa "no coração". Um graha em uma conjunção cazimi teoricamente seria empoderado pela natureza solar. Minha (limitada) experiência prática com o conceito, no entanto, mostra que estar tão próximo do Sol não nega aflições, pelo contrário, elas costumam ser ainda mais severas. Mas algo interessante é que as pessoas que possuem grahas a no máximo 1º de distância do Sol se destacam justamente pelas características do graha em questão, personificando-o. 

(9)  Deve-se notar que há diferenças entre uma conjunção superior e uma conjunção inferior com o Sol. As conjunções inferiores ocorrem com todos os grahas e envolve a posição dos mesmos atrás da esfera solar. Já as conjunções superiores só se dão com Mercúrio e Vênus, quando esses encontram-se entre a Terra e o Sol, ou seja, logo a frente do Sol a partir do nosso ponto de vista terrestre. A conjunção inferior enfraquece demais o graha, ao passo que a superior confere força ao mesmo. Vênus e Mercúrio formam a conjunção superior ao Sol quando ocupam graus anteriores ao mesmo.

Vejamos alguns exemplos de combustão a partir do que foi mencionado acima:

Joseph Campbell



Joseph Campbell foi um reconhecido estudante de mitologia e religião comparada. No seu mapa Júpiter e Mercúrio estão em uma conjunção cazimi ao Sol, ou seja, a ocupar exatamente o mesmo grau. Júpiter é kāraka de filhos e o mesmo não teve filhos, no entanto, enquanto regente de quatro e sete digno, Júpiter não lhe negou confortos, imóveis, veículos e casamento. Além disso, o mesmo se tornou um destacado professor e escritor, o que se deve a essa conjunção exata ao Sol de dois grahas ligados a intelectualidade. Marte, embora conjunto ao Sol, detém uma distância de 16º do mesmo, o que nega uma combustão.

Gottfried Wilhelm Von Leibniz


O filósofo alemão, Leibniz, conta com Júpiter combusto pelo Sol a ocupar a sétima casa, em gêmeos, o que lhe negou filhos e também casamento. Por outro lado, Leibniz foi um destacado filósofo e matemático, o que é caracterizado por tal conjunção, sendo Júpiter o regente do lagna e o Sol, da nove, o que constituiu um rāja yoga.

William S. Burroughs


Burroughs foi um dos ícones da geração beatnik. No seu mapa encontramos Vênus e Júpiter juntos ao Sol, embora apenas Vênus sofra uma combustão severa. Sendo Vênus regente de quatro e nove e o Sol de sete, isso constitui um rāja yoga. A família de Burroughs era rica e o mesmo foi beneficiado por isso. No entanto, embora Vênus o tenha beneficiado dessa forma devido a suas regências, também o fez sofrer devido ao seu kārakātva (tema). Ele se viu separado de sua esposa de uma forma bastante trágica. Embriagado em uma festa, foi desafiado pela sua própria esposa a atirar em um copo que estava sobre a sua cabeça, no entanto, ele errou o tiro e acabou a matando. Notem que Marte está lançando o seu olhar a Vênus, o que fortalece a aflição e explica o desfecho violento do evento. Após isso, Burroughs assumiu-se homossexual e se envolveu profundamente com o submundo das drogas. Porém, como o Sol e Vênus formam um rāja yoga, ele conquistou reconhecimento enquanto artista.

om tat sat


[1] 02.32-33, Panchādhyayī.

Um comentário:

  1. Gauraji, sobre a passagem a seguir, entao shukra e buddha ficam superiores qnd com grau menor que surya e dessa maneira estariam "iluminados" por trás??

    "Deve-se notar que há diferenças entre uma conjunção superior e uma conjunção inferior com o Sol. As conjunções inferiores ocorrem com todos os grahas e envolve a posição dos mesmos atrás da esfera solar. Já as conjunções superiores só se dão com Mercúrio e Vênus, quando esses encontram-se entre a Terra e o Sol, ou seja, logo a frente do Sol a partir do nosso ponto de vista terrestre. A conjunção inferior enfraquece demais o graha, ao passo que a superior confere força ao mesmo. Vênus e Mercúrio formam a conjunção superior ao Sol quando ocupam graus anteriores ao mesmo."

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