Há uma doutrina astrológica que acabou se deteriorando na tradição
indiana: a doutrina dos sectos. Nessa doutrina, que é de origem helenística,
os grahas diurnos seriam Sūrya (Sol), Guru (Júpiter) e Śani
(Saturno), enquanto os noturnos seriam Chandra (Lua), Śukra (Vênus) e Maṅgala
(Marte). Budha (Mercúrio), por ser de natureza adaptável, se dá bem em ambos os
sectos, diurno e noturno.
Essa doutrina dos sectos estabelece que
os grahas de natividade diurna ganham força e benevolência em
genituras diurnas, enquanto os noturnos ganham o mesmo em genituras noturnas. O
inverso também é válido, ou seja, em uma genitura diurna, Maṅgala se torna
potencialmente mais maléfico, enquanto que em uma genitura noturna, Śani é quem
se torna potencialmente mais cruel. Da mesma forma, os luminares e os benéficos
de cada secto perdem parte de sua eficiência e benevolência nos sectos
inadequados para os mesmos.
No jyotiṣa, embora essa doutrina tenha sido substituída pela teoria de que Sūrya, Guru e Śukra ganhariam força de dia, enquanto Chandra, Maṅgala e Śani ganhariam força (natonnata-bala) de noite, antes do Bṛhat jātaka de Varāhamihira (séc. VI), a doutrina helenística provavelmente era a que vigorava, já que ela foi, inclusive, apresentada no Yavana jātaka (séc. III) e no Vṛddha Yavana jātaka (IV), os dois primeiros textos de jyotiṣa horoscópicos compostos na Índia.
Porém, o mais
interessante não é o fato dessa doutrina ter sido apresentada no Yavana jātaka
e no VYJ, mas sim o fato dela ter se preservado sutilmente e já de forma
corrupta em ślokas de textos
posteriores, na seção que trata dos Chandra yogas.
No caso, todos os jyotiṣa-śāstras que
discutem os Chandra yogas (todos,
praticamente) citam o seguinte:
Se
Chandra ocupa seu próprio navāṁśa ou
o navāṁśa de um graha amigo, a genitura é diurna e Guru lança um dṛṣṭi a Chandra, o indivíduo será
abastado.
ou
Se
Chandra ocupa seu próprio navāṁśa ou
o navāṁśa de um graha amigo, a genitura é noturna e Śukra lança um dṛṣṭi a Chandra, o indivíduo será
abastado.
Esses dois yogas estão claramente baseados na doutrina original dos sectos, já que estabelecem Guru como o benéfico diurno e Śukra como o benéfico noturno. Como esse yoga já é apresentado no Yavana jātaka e foi preservado ao longo da tradição, é evidente que os astrólogos posteriores não pararam para questionar de onde vinha a lógica desses dois dhana yogas (yogas de riqueza), eles simplesmente os registraram, possivelmente movidos pelo desejo de conservar as afirmações tradicionais, algo muito comum entre os jyotiṣīs do passado, que por vezes repetem em seus textos ślokas de obras anteriores visivelmente sem questioná-los, apenas por uma questão de formalidade.
Porém, é visível que os
indianos não deram atenção significativa a doutrina dos sectos, seja a
original, seja a desenvolvida posteriormente. Isso difere muito da abordagem
dos astrólogos helenísticos e até mesmo medievais, que usavam e abusavam da
doutrina dos sectos para modificar suas interpretações. No jyotiṣa, além dos yogas que
citei acima, não há mais nada que exiba o uso da doutrina dos sectos, exceto o
uso da mesma para calcular o kāla-bala (força
temporal) dos grahas, o que não é de
muita serventia, já que a força de um graha
geralmente é inferida a olho e não por meio dos gráficos de força (ṣaḍ bala ou outros), que são no máximo
aproximações, teorias matemáticas, invés de determinações absolutas e
inquestionáveis da força de um graha.
Algo análogo a teoria dos sectos no jyotiṣa é a doutrina que determina benéficos e maléficos funcionais para cada lagna (ascendente), que é central no método Parāśari. Mas essa doutrina se baseia no lagna e não no secto do nascimento, logo, não é a mesma coisa. O que a torna semelhante a doutrina do secto é simplesmente o fato de que nela não nos baseamos apenas na natureza intrínseca (naisargika-svabhāva) dos grahas, onde Maṅgala e Śani são cruéis, e Śukra e Guru benéficos, mas também na natureza funcional (tatkalika-svabhāva) que os grahas adquirem de acordo com cada lagna. Isso faz com que Guru possa ser um maléfico funcional para um lagna, e Śani, um benéfico. Ainda assim, não considero que uma doutrina substitui a outra. Elas apenas adicionam nuances diferentes, que aumentam o grau de detalhe em uma análise.
Inclusive, se for para
determinar qual doutrina de sectos considero mais coerente, a helenística ou a
indiana, sem dúvida a helenística é mais coerente, já que estabelece um
luminar, um benéfico e um maléfico para cada secto, ao passo que a indiana
delega os maléficos para o secto noturno e os benéficos para o secto diurno, o
que não só soa pouco coerente como na prática não vejo como algo eficaz.
Ao analisar uma série de
mapas considerando as duas doutrinas dos sectos, notei que, de fato, Śukra pode
ser mais benéfico para natividades noturnas, assim como Śani pode ser mais
construtivo para as diurnas, enquanto Maṅgala age de forma mais destrutiva nessas. Mas
como temos tantos outros elementos para considerar em uma análise, incluindo a
natureza funcional, por vezes é difícil distinguir o que está pesando mais na
qualificação de um graha e de seus
resultados, o que não torna necessariamente essencial analisar os sectos. Você pode muito bem ignorar o conceito e ainda assim conseguir bons resultados com as técnicas padrões.
O fato é que para os indianos a doutrina dos sectos se deteriorou em um mero elemento quantitativo, embora por outro lado eles tenham desenvolvido outras doutrinas interpretativas de excelente aplicabilidade, como é o caso da doutrina da natureza funcional, que é especialmente eficaz na interpretação das daśās. Mas, devo confessar que, ao observar um bom número de casos aplicando a doutrina original dos sectos, eu concluí que por vezes ela pode trazer alguns insights interessantes sobre coisas como: porque para essa pessoa Śani na dez trouxe infâmia e para essa outra uma posição de autoridade na sociedade? Claro que há muitos fatores em jogo, mas analisar o secto é algo que, mais do que quantitativo, também pode ser aplicado de forma qualitativa, tal como faziam os astrólogos helenísticos. Afinal, isso não vai contra o jyotiṣa, uma vez que no Yavana jātaka essa visão foi preservada e há esses dhana yogas que citei, os quais evidenciam o uso do conceito. A ideia está ali e tem antecedentes sólidos, a vê quem quer e a usa quem acha conveniente...
oṁ
tat sat
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