Nos Yoga-sūtras de
Patañjali ṛṣi, é dito (1.6) que a consciência (citta) passa por cinco tipos de modificações (vṛttis): conhecimento correto (pramāṇa),
ilusão ou conhecimento errôneo (viparyaya),
fantasia (vikalpa), sono (nidra) e memória (smṛti). Desses, o conhecimento correto, o sono e a memória são
úteis no aprendizado, enquanto a ilusão e a fantasia são inúteis e devem ser
removidos pelo cultivo de pramāṇa, o
qual se subdivide em três tipos de acordo com os Yoga-sūtras (1.7): percepção
direta (pratyakṣa), inferência lógica
ou dedução (anumāna) e o testemunho
das autoridades e das escrituras (āgama).
Alguém então pode se
perguntar sobre qual seria a relevância desse tema para o jyotiṣa. Bem, a resposta é de que não é relevante para o jyotiṣa... é relevante para tudo! Qualquer
coisa que passe pela mente pode ser categorizada como uma das cinco vṛttis, logo, quando estudamos jyotiṣa, essas mesmas vṛttis estarão atuando sobre a consciência e, portanto, interferindo no aprendizado.
Um exemplo pode nos ajudar
a compreender isso melhor: um estudante deseja saber como ele pode prever se
uma mulher poderá engravidar ou não e, para isso, ele inicialmente recorre a
dedução (anumāna), que é uma das três
formas de pramāṇa. Essa dedução, no
entanto, pode ser imprecisa, ou seja, uma ilusão ou conhecimento errôneo (viparyaya). Também é possível que tal
dedução não passe de uma grande fantasia (vikalpa),
algo completamente fora da realidade do próprio jyotiṣa, ao invés de se tratar de um erro de julgamento envolvendo regras
já existentes. Portanto, como tal estudante poderá resolver esse problema, uma
vez que ele compreendeu que pode estar iludido ou fantasiando meios incorretos
de prever o tema filhos? Ele deverá recorrer a āgama, ou seja, o testemunho
das autoridades e das escrituras.
Inicialmente, isso
costuma se dar sob a guia de uma autoridade específica que fala ou não em
consonância com as escrituras, mas posteriormente é essencial que o próprio
indivíduo seja capaz de investigar as escrituras [o que não exclui o aprendizado
com uma autoridade no assunto], pois só assim ele saberá de fato se aquela
autoridade à que ele recorreu é, de fato, uma autoridade. Afinal, se ela
discorre das escrituras, isso pode se dar devido a relatividade do tema[1] ou
a um desvio.
Portanto, é bom que o indivíduo disponha de alguma informação prévia que o
ajude a discernir quem é uma autoridade ou não, caso contrário, pode acabar
investindo tempo em um estudo incorreto do assunto. Além do que, entra em
questão a sua sinceridade, pois somente o indivíduo sincero terá o privilégio
de ser guiado por uma autoridade competente no assunto em que ele deseja se
aprofundar.
Uma vez em contato com
o testemunho das autoridades e das escrituras, o indivíduo poderá comprovar por
sua própria experiência e percepção pessoal (pratyakṣa) a veracidade do conhecimento transmitido, além do que,
será capaz de realizar inferências e deduções lógicas (anumaṇa) que o levarão a ganhar cada vez mais proficiência no tema.
Dessa forma, ilusões e fantasias serão gradualmente dissipadas e o conhecimento
real (pramāṇa) se estabelecerá, o que
lhe trará confiança.
Nesse processo todo, as
outras duas vṛttis: o sono e a memória,
também desempenharão funções importantes. Sem um sono regulado a consciência
perde a sua acuidade, enquanto que sem o exercício da memória, o conhecimento
adquirido se perderá, o que levará a erros de julgamento e à apreensão
incorreta do tema, ou seja, a ilusões (viparyaya)
e fantasias (vikalpa). Logo, não é a
toa que as tradições indianas, de forma geral, estimulam o aprendizado oral e a
memorização de ślokas (versos) e
princípios de uma determinada disciplina, pois assim a memória se torna cada
vez mais afiada. Isso tudo, naturalmente passa a ser mais eficaz quando
combinado ao exercício da contemplação, seja de um mantra ou qualquer outra prática meditativa, assim como também pelo
cultivo de dieta e hábitos que fortaleçam sattva
(o atributo do equilíbrio, do discernimento e da pureza). Dessa forma, estudo e
sādhana (disciplina espiritual) acabam
andando juntos dentro da metodologia de ensino tradicional, a qual condena a
conduta indisciplinada e epicurista (i. e., hedonista) daqueles que acham que o
aprendizado de uma disciplina é
meramente uma atividade intelectual, o que não demanda, portanto, qualificações
morais e éticas. Mesmo na grécia antiga, mestres como Platão e Sócrates condenavam
a conduta desregrada no aprendizado da filosofia, logo, essa não é uma
exclusividade da metodologia oriental.
Ao descrever o tipo de
astrólogo que está apto a realizar predições de sucesso, Parāśara, por exemplo,
chega inclusive a dizer que ele deve ser um jitendriya,
alguém que exerce controle sobre os seus sentidos. Não só, Parāśara também diz
que o estudante de jyotiṣa deve ser
pacífico, respeitoso para com os seus preceptores, temente a Deus, devotado,
gentil, etc., pois sem empenhar-se no cultivo de sattva, nenhum conhecimento pode ser apreendido corretamente, pois
ou será maculado pelo egoísmo e a impaciência características de rajas ou será distorcido pela natureza
obscura e degradante de tamas,
assumindo uma forma completamente contrária a esperada. Inclusive, pode-se
dizer que o conhecimento errôneo (viparyaya)
e a fantasia (vikalpa) nada mais são
do que interferências de rajas e tamas sobre a consciência.
Logo, não só no jyotiṣa, como também no āyurveda, nas tradições de yoga, etc., vemos que o critério
necessário para o aprendizado é sempre alto, pois a responsabilidade daquele
que lida com tais conhecimentos é muito grande. O problema, no entanto, é que
poucos estão realmente dispostos a cumprir com tais critérios, pois ao invés de
visarem ser úteis a sociedade, buscam ser importantes! O resultado disso é uma
disseminação de ensinamentos incorretos (viparyaya)
e fantasias (vikalpa), justamente
aquilo que a metodologia de ensino tradicional visa remover. Assim, aqueles que
deveriam ajudar a sociedade a ter mais clareza, acabam sendo disseminadores de mais
ignorância.
oṁ
tat sat
[1] Por exemplo, nos textos de jyotiṣa existem opiniões distintas sobre
quais seriam os mṛtyu-bhagas (graus
fatais) de cada signo.
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