terça-feira, 23 de maio de 2023

A diferença entre doṣa e ariṣṭa

Hoje em dia há muitas configurações que levam o nome de “doṣa - desequilíbrio”, mas a verdade é que a definição clássica de doṣa não corresponde ao que vemos atualmente. Os doṣas, de acordo com os śāstras (textos de autoridade) de jyotiṣa, são disposições específicas dos svakārakas (significadores pessoais) que afetam o indivíduo de maneira mais global, pois incidem sobre os significadores mais essenciais de um mapa: o ascendente (lagna), a Lua e o Sol. Por exemplo, nascer em kṛṣṇa-chaturdaśī, amāvasyā ou em viṣṭi-karaṇa configura um doṣa lunar, pois esses fatores são todos baseados nos dias lunares. Nascer em saṅkrānti configura um doṣa solar etc.

O BPHS cita uma série de doṣas nos seus capítulos finais, e o Horā ratnam também trata desse assunto em vários capítulos. Ambos os textos partem das mesmas definições do que é um doṣa. Mas, ainda assim, hoje, mesmo conjunções de Saturno com um nodo, ou Marte na 1-2-4-7-8-12 são tratados como doṣas, o que não é apropriado. Ter Saturno conjunto a um nodo configura um ariṣṭa (infortúnio), mas não um doṣa. O mesmo se aplica a ter Marte na 1-2-4-7-8-12, um ariṣṭa para questões afetivas, mas que é muito comum (afinal, abrange metade das posições possíveis a Marte), sendo presente nos mapas de muitas pessoas bem casadas, inclusive.

A diferença fundamental entre um ariṣṭa e um doṣa consiste no fato de que o ariṣṭa tem um impacto específico, mais isolado, ao passo que o doṣa tem um impacto mais abrangente. Por exemplo, no Horā sāra é dito que se todos os grahas estiverem fortes, exceto o Sol e a Lua, eles não darão bons resultados em suas daśās, ao passo que se todos os grahas estiverem fracos, mas o Sol e a Lua fortes, então o indivíduo colherá bons resultados mesmo nas daśās desses grahas fracos. Isso mostra a importância dos luminares em um mapa. Todos os doṣas clássicos envolvem os luminares ou o ascendente. Logo, estender a ideia de doṣa para outros grahas é extrapolar o significado desse conceito. Sem dúvida uma conjunção de dois maléficos não é boa (a princípio), mas ela não configura um doṣa, mas sim um ariṣṭa.

Na internet nós encontramos coisas como aṅgaraka doṣa (Marte com Rāhu), śrapit doṣa (Saturno com Rāhu), Maṅgala doṣa (Marte em 1-2-4-7-8-12), kāla sarpa doṣa (todos os grahas entre Rāhu-Ketu) etc. Porém, essas configurações não são doṣas, mas sim ariṣṭas, pois o dano que causam é específico, abrange uma(s) certa(s) área(s) da vida. Inclusive, kāla sarpa doṣa nem sequer foi citado na literatura clássica, e quem o pesquisou com cuidado já pôde perceber que não é nada funcional, logo, o melhor é ignora-lo por completo. O próprio K. N. Rao escreveu um livro inteiro a respeito do assunto incluindo vários exemplos de kāla sarpa e mostrando como esse “doṣa” é disfuncional e só mais um dentre os muitos “doṣas” que abundam por aí.

Em relação ao “śrapit doṣa”, o qual eu chamo de viṣa yoga (viṣa – veneno), ele está presente no mapa do Edgar Cayce e da Helena Blavatsky, que viam/falavam com espíritos; de figuras vis como Marilyn Manson e Charles Manson; de pessoas que sofriam com algum vício, como Jack Kerouac, Raul Seixas e Demri Parrott; mas também pode ser encontrado no mapa de yogīs como Svāmī Śivanānda e Tirumalai Kṛṣṇamācharya. Esse mesmo yoga, inclusive, pode se tornar um rāja yoga se vier a ocorrer em um kendra ou em um koṇa para os lagnas libra e touro, ou em kendra para os lagnas gêmeos e virgem, ou em koṇa para aquário e capricórnio. Portanto, o viṣa yoga é um ariṣṭa sim, sem dúvida, mas a depender do contexto ele pode ser até mesmo um rāja yoga. Definir esse ariṣṭa como um doṣa é extrapolar o seu significado, pois o peso atribuído à palavra doṣa é notavelmente maior quando partimos de uma definição clássica. E não só, mesmo nos tempos atuais, quando se diz que o indivíduo tem um “śrapit doṣa”, na mente das pessoas isso é quase que um atestado de fracasso e miséria – o que não é verdade. O mesmo pode-se dizer do Maṅgala doṣa/Kuja doṣa em relação à vida afetiva. Quando alguém diz que é maṅglik (ou seja, que tem esse doṣa), é praticamente o mesmo que dizer: “Eu estou fadado a não dar certo afetivamente” – outra inverdade, pois 50% da população é “maṅglik”, ainda assim nem todos são um fracasso afetivo. Ter Marte influenciando a sete ou a oito não é garantia de insucesso afetivo, pois essa é só uma influência dentre tantas que devem ser investigadas. Marte não tem um peso maior, ao ponto de sobrepor todas as outras indicações, logo, é exagerada a maneira como tratam essa configuração.

Enfim, dada essa explicação, espero que fique claro para você a diferença fundamental entre um doṣa e um ariṣṭa. Definitivamente, há uma clara diferença entre uma coisa e outra.


oṁ tat sat

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