Os professores dentre os grahas: Guru (Júpiter) e Śukra (Vênus)

Sendo hoje o Dia do Professor, me senti interessado em escrever a respeito dos dois professores dentre os grahas: Bṛhaspati (Júpiter) e Śukra (Vênus). Nos textos clássicos de jyotiṣa esses dois grahas foram classificados como brāhmaṇas, sendo essa a classe dos intelectuais e sacerdotes. No entanto, uma diferenciação entre ambos é feita por Govinda Bhattattiri em sua Daśādhyayī (comentário aos dez primeiros capítulos ao Bṛhat Jātaka de Varāhamihira). Govinda afirma que Bṛhaspati é um brāhmaṇa superior em qualificação quando comparado a Śukra. Ele designa Śukra como um “brāhmaṇa comum”, ao passo que Bṛhaspati ele define como “um brāhmaṇa de ordem superior”, pois Bṛhaspati é sattvika (puro e equilibrado), ao passo que Śukra é rajasika (apaixonado). E como bem sabemos, a paixão (rajas) macula o intelecto, nos levando a tomar decisões incorretas ou a perceber as coisas da forma equivocada. Sattva (o equilíbrio), por outro lado, ilumina a percepção e as decisões, nos protegendo dos equívocos e das distorções provenientes da interferência que a paixão pode ter sobre a nossa percepção da realidade.

Outra reflexão interessante a respeito de Bṛhaspati e Śukra envolve a relação da posição desses enquanto brāhmaṇas e suas constituições físicas. Bṛhaspati é definido como puramente kapha, ao passo que Śukra é descrito como kapha-vāta. Um dos atributos mais característicos de kapha é o seu peso (guru), ao passo que vāta já é relacionado ao atributo da leveza (laghu). Bṛhapasti, sendo puramente kapha, é o graha mais diretamente associado ao sobrepeso, mas esse peso também pode ser o peso da sabedoria e do conhecimento, não só o peso físico. Bṛhaspati é o mestre dentre os grahas, logo, ele é sólido/pesado em termos de conhecimento, daí de um de seus nomes ser Guru. Já Śukra, por oscilar entre kapha/vāta, tem um conhecimento oscilante, instável e mais sujeito a falhas do que o conhecimento que Bṛhaspati pode apresentar – o qual inclusive culmina em um conhecimento de natureza absoluta, o que os hindus chamam de tattva-jñāna, o conhecimento espiritual, o qual é imutável.

Śukra costuma ser proeminente nos mapas de cientistas e artistas, ao passo que Guru figura mais nos mapas de filósofos e de figuras religiosas. Sem dúvida a ciência e a arte são âmbitos importantíssimos do conhecimento, mas em uma sociedade ideal, esses dois conhecimentos servem ao conhecimento superior que a filosofia e a religião podem nos proporcionar. Afinal, se a arte não visa exaltar o que é divino, então ela exaltará apenas a experiência sensual-mundana, e a ciência quando emancipada de uma perspectiva mais divina, acaba descambando em meras medições, torna-se algo profano, ou seja, voltado para a periferia da realidade, tal como é a astronomia moderna quando comparada a astronomia tradicional – a qual usava dos dados astronômicos para alcançar um sentido maior por meio da astrologia, e não só para ficar calculando e medindo coisas que não nos oferecem nenhum sentido maior.

Bṛhapasti e Śukra, portanto, são brāhmanas de ordens distintas, mas ambas importantes, cada uma a seu modo. Inclusive, é interessante notar que Śukra se exalta em um signo de Bṛhaspati: peixes, ou seja, os conhecimentos de Śukra devem ser usados para nos proporcionar inspiração e nos auxiliar em nosso processo de libertação (mokṣa, que é diretamente relacionado a peixes nos clássicos), e não para nos dar um mero entretenimento sensual, como vemos entre muitos artistas que acabam se degradando, ou como entre os cientistas que se envaidecem com suas descobertas e cálculos como se pudessem abarcar em sua mentes finitas as dimensões infinitas da realidade. Logo, que nós possamos aprender com Bṛhapasti e com Śukra, mas subordinando cada vez mais o conhecimento de Śukra aos desígnios superiores de Bṛhapasti, já que é assim que o nosso conhecimento adquirirá um sentido superior.

 

oṁ tat sat