O termo "astrologia védica", da forma como é usado nos
dias de hoje não é correto. Por que? Porquê não há nenhuma evidência de
astrologia preditiva presente nos quatro vedas (ṛg, sama, yajur e atharva) e
nem textos astrológicos que antecedam o século II d.C. Algumas pessoas tem grande dificuldade
de aceitar isso e realizam um verdadeiro malabarismo para justificar a
astrologia preditiva como sendo de origem védica e eu mesmo por muito tempo
tentei acreditar e afirmar isso, mas todas as pesquisas históricas que fiz me
levaram a concluir que, de fato, a astrologia preditiva registrada nos clássicos não é puramente védica, ela apenas inclui alguns elementos de origem védica.
O mais antigo texto de jyotiṣa é chamado Vedāṇga Jyotiṣa o qual data de aprox. 1100 a.C, datação possível graças a informações astronômicas relativas a época contidas no próprio texto. No entanto, o VJ não é um texto de astrologia preditiva, pois focava apenas na confecção de calendários baseados no ciclo soli-lunar, nos nakṣatras, tithīs e outros elementos, ignorando completamente os outros grahas (Maṅgala, Budha, Guru, Śukra e Śani). Esses calendários eram usados pelos brāhmaṇas para determinar os dias mais adequados para a realização de yajñas e saṁskāras contidos no ṛg e atharva veda, ou seja, resumia-se a uma prática sacerdotal com fins religiosos e civis. Logo, a antiguidade do Vedāṇga Jyotiṣa do sábio Lagadha não prova nada, pelo contrário, só deixa claro que se houve um jyotiṣa realmente védico, ele não tinha um caráter preditivo (ou se tinha, era rudimentar e distinto do que conhecemos hoje) e usava apenas do sol e da lua, não fazendo qualquer menção ao zodíaco e tendo fins, ao que tudo indica, eletivos. Inclusive, a forma atual desse tratado data de entre 700 a.C. aos últimos séculos a.C., sem qualquer inserção de conhecimento que possa ser julgado como pertencendo a astrologia natal, o que só reforça mais ainda a ideia de que não havia astrologia preditiva na Índia antiga.
Quem focou em desenvolver, de fato, a astrologia de caráter preditivo foram os babilônios (e os egípcios também, em certo grau). Inclusive, o zodíaco advém da Babilônia e o artefato mul.apin é a prova cabal disso, assim como os próprios símbolos usados como o centauro e o capricórnio, os quais não possuem qualquer relação com a cultura védica.
Os babilônios se dedicaram a observar o céu por centenas de anos em seus zigurates, registrando o tempo de ascensão das estrelas, os movimentos dos planetas pelas constelações do zodíaco e traçando paralelos entre esses movimentos e os eventos terrestres, o que foi formatando a astrologia preditiva. Posteriormente esse conhecimento foi assimilado pelos gregos (persas culturalmente gregos, na verdade), quando esses invadiram e dominaram a babilônia, assim como também o egito (o qual também detinha conhecimentos astrológicos) e o noroeste da Índia (onde permaneceram por alguns séculos), no período de Alexandre, O Grande. Uma vez que as trocas culturais alavancadas a partir desse período estavam fervilhando, em grande parte graças as rotas comerciais, a astrologia preditiva adquiriu um caráter multicultural, pois misturou elementos de várias culturas, inserindo-se também na Índia, a qual já tinha o seu sistema de astrologia, mas que ao que parece era muito mais eletivo do que preditivo ou no máximo rudimentarmente preditivo. Foi dessa miscelânea que nasceu o jyotiṣa que conhecemos hoje, que é, sem qualquer sombra de dúvida, fruto de um verdadeiro caldeirão cultural.
Portanto, podemos dizer que os gregos é quem inseriram o sistema preditivo de astrologia que estava se desenvolvendo à época na Índia, embora eles mesmos não fossem a fonte inicial desse conhecimento, ainda que também tenham desenvolvido teorias e conceitos astrológicos a partir do que haviam apreendido dos babilônios e egípcios. A prova do que digo é o próprio Yavana jātaka (yavana é o termo usado pelos indianos para se referir aos gregos), o primeiro texto de jyotiṣa de caráter preditivo historicamente documentado. Esse texto data do século II d.C. e contém vários elementos tipicamente helenistas, incluindo yogas com nomes de origem grega que, inclusive, são mencionados em praticamente todos os clássicos de jyotiṣa, os quais sempre fazem referência aos yavanas em seus textos.
Mesmo
o Bṛhat jātaka de Varāhamihira, que data do século V d.C. e que é considerado o
primeiro grande clássico do jyotiṣa inclui elementos que são evidentemente de
origem estrangeira. Logo, fica evidente que o jyotiṣa não está livre de outras
influências culturais uma vez que a ideia de zodíaco, casas e outros elementos preditivos são claramente de origem estrangeira, embora posteriormente
os indianos tenham desenvolvido esses conceitos a sua própria maneira, além de já possuírem conceitos e princípios seus, como os nakṣatras, os quais são mencionados no Mahābhārata, p. e.
Portanto, chamar a astrologia que conhecemos hoje de védica não é correto, exceto se considerarmos
o termo de forma mais liberal, compreendendo não só o período em que os arianos
viviam as margens do sarasvatī (o denominado período védico), mas também o período posterior, em que migraram
para o ganges e lá desenvolveram novos conceitos, práticas e fundamentaram o
que hoje é chamado de hinduísmo. Devido a essas questões, prefiro chamar a
astrologia de jyotiṣa, astrologia hindu ou indiana e, qualquer um que clame que
o jyotiṣa é herança dos grandes ṛṣis de três, quatro, cinco ou mais milênios
atrás e que toda a astrologia tem origem nos ensinamentos deles está, sem
dúvida alguma, baseando-se em uma fé tortuosa (ou ingênua, o que é aceitável) ou em marketing barato, menos em
evidências históricas e um estudo honesto.
Todos os textos de jyotiṣa, exceto o Vedāṇga Jyotiṣa, são posteriores ao Yavana jātaka e mesmo o primeiro grande clássico de jyotiṣa, o Bṛhat jātaka, é do século V e contém inúmeros elementos de origem grega. Logo, devemos ser humildes e intelectualmente honestos para reconhecer que o conhecimento astrológico não é inteiramente indiano e muito menos de 5, 8 ou 10 mil anos atrás, como tem sido erroneamente propagado por tantos gurus new age da astrologia nos dias de hoje. O próprio K. N. Rao, um gigante contemporâneo do jyotiṣa, jamais usa o termo astrologia védica e já deixou claro em seus livros que esse termo, assim como a ideia de que esse conhecimento é puramente ariano/védico é apenas marketing moderno, o qual teve início no século passado, quando o jyotiṣa começou a circular no ocidente e com isso, vários "gurus" começaram a brotar e reivindicar fé em seus princípios e "paramparās" (sucessão discipular) questionáveis, quando na verdade os princípios astrológicos não dependem de fé para serem válidos, mas sim de teste rigoroso.
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tat sat
Importante artigo. Compartilhei em minha página (Astrologia Tradicional). A propósito, quero agradecer pela indicação do Gochar Phaldeepika, do Dr Pulippani. Abs.
ResponderExcluirFico feliz que tenha gostado, querido Hélder. Abraço!
ResponderExcluirMuito importante esse artigo, para uma iniciante nos estudos como eu, então! Você teria outro onde explica como ocorreu a diferença fundamental entre astrologia ocidental e oriental? Porque na análise dos mapas muda tudo entre um enfoque e outro. Grata pelo seu tempo!
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